sexta-feira, 22 de outubro de 2010

"Órfãos" de pais vivos(I)

“Uma criança não nasce feliz, torna-se feliz”
Eduardo Sá
É com uma preocupação crescente que escrevemos estas breves linhas. Senão vejamos: se por um lado nos preocupamos, cada vez mais, com alguns aspectos de mudança (fazemos dieta e exercício físico, exercitamo-nos para aumentar a memória, tentamos deixar de fumar e de abusar de bebidas alcoólicas, tentando, por diversos meios, aumentar a nossa esperança de vida…, em suma, procuramos encontrar mais significado para a vida); por outro lado colocamos em causa, sem qualquer pudor, a vida das nossas crianças (inclusivamente há pais e mães que “matam” na criança o pai ou a mãe). Estamos a falar do cada vez mais visível, “sindroma de alienação parental”.
Por alienação parental entenda-se um transtorno psicológico caracterizado por um conjunto de sintomas pelos quais um dos pais, chamado alienador, transforma a consciência dos seus filhos, mediante diferentes estratégias de actuação, com o objectivo de impedir, criar obstáculos ou destruir os seus vínculos com o outro progenitor, o chamado alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição” (Richard Gardner).
A alienação parental é uma forma de abuso emocional que pode causar à criança distúrbios psicológicos ou psicossomáticos como por exemplo, depressão, transtornos de identidade e de auto-imagem, desespero, baixa auto-estima, sentimentos incontroláveis de culpa, sentimentos de isolamento, comportamento agressivo, falta de organização, dupla personalidade e até mesmo graves perturbações psiquiátricas, distúrbios que poderão durar toda a vida. (Há estudos que mostram que, quando adultos, as vítimas da alienação tem inclinação para as bebidas alcoólicas, para a droga, são propensos à depressão, ao suicídio e à violência, apresentam sintomatologias de profundo mal estar e que têm tendência a reproduzir a mesma patologia psicológica que o alienador). São crianças impacientes, nervosas e menos capazes de conceptualizar situações complexas.
A alienação surge, de uma maneira geral, na sequência da separação e do divórcio e quando um dos pais não consegue elaborar, adequadamente, o “luto” daqueles. Os pais ao separarem-se levam muitas vezes a certeza de que o relacionamento não deu certo por culpa do outro, não conseguindo lidar com a “perda”. Transformam então o afecto, o carinho, o amor de outrora em ódio mortal e utilizam os filhos como “armas de arremesso”, desencadeando um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-cônjuge/companheiro(a), criando uma série de situações visando dificultar ao máximo, ou a mesmo impedir, o contacto com os filhos levando, não raras vezes, os filhos a rejeitarem a mãe/pai e até a odiá-lo. Os filhos são, assim, utilizados como instrumento da agressividade direccionada ao parceiro, sendo induzidos a afastarem-se de quem amam e que também os ama, gerando uma enorme contradição de sentimentos e destruição do vínculo parental o qual, passados alguns anos, não é mais passível de ser reconstruído.
Os filhos passam, por assim dizer, a ser “órfãos” de pai/mãe vivo, sentindo os efeitos de uma enorme perda, só comparável à morte de um dos pais, avô/avó, familiares próximos ou amigos. Por outro lado, e com o decorrer do tempo, acabam por aceitar como verdadeiro tudo que lhe é transmitido não sendo capazes de discernir que estão a ser manipulados. Com o passar do tempo nem o próprio pai/mãe alienador distingue a verdade da mentira passando a sua verdade a ser a verdade para os filhos. E, neste jogo de manipulação, tudo é permitido! O tempo funciona a favor do alienador. Quanto mais demora a identificação do que realmente acontece, menos hipóteses existe de serem detectadas as falsidades existentes.
Eis algumas das estratégias utilizadas por pais ou mães com vista a afastar os filhos do ex-companheiro(a): limitação de contactos com o alienado ou sua família; pequenas punições muito subtis quando os filhos manifestam satisfação no relacionamento com o alienado; transmitir a ideia aos filhos de que foram abandonados e que não são amados pelo alienador; levar a criança a escolher entre um ou outro; criar na mente dos filhos a ideia de que o outro é perigoso; não falar do outro em casa; provocar conflitos entre os filhos e o alienado; interceptar presentes, telefonemas, correio… do alienado para os filhos; interrogar os filhos quando chegam das visitas; instigar os filhos a chamar o pai alienado pelo seu próprio nome; abreviar, reduzir ou mesmo cancelar e impedir as visitas ao outro por motivos fúteis ou mesmo criando situações graves; confidenciar aos filhos, com riqueza de detalhe, os seus sentimentos negativos e as más experiências vividas com o pai/mãe ausente; denúncias falsas de abusos perante os filhos nomeadamente o abuso sexual; apresentar um novo companheiro aos filhos como sendo a sua nova mãe ou o seu novo pai; recusar informações ao outro sobre as actividades em que os filhos estão envolvidos ou “esquecer-se” de avisar de compromissos importantes (dentistas, médicos, psicólogos, escola…); dizer aos filhos que a roupa que o outro comprou é feia, fora de moda e proibi-los de usá-las; culpar o outro pelo mau comportamento dos filhos, etc.
Mas cuidado. Nem sempre se trata de alienação parental. É importante, antes de diagnosticar uma situação de alienação parental, estar-se seguro que o alienado não merece ser rejeitado e odiado por comportamentos realmente depreciáveis. Devem ser os profissionais, nomeadamente os de saúde mental, a diagnosticar para que não se caia no erro de a tudo chamar alienação parental quando o não é.

 

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