segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A criança: motivação e liberdade

Num grupo de crianças de 6/7 anos, construía-se uma história para ser dramatizada, cujo o tema era o mar.
-          Para mim - dizia uma - devíamos ter um pescador.
-          Um pescador que ia à pesca para o alto mar - diz outra.
-          Depois perdia-se no mar e apareciam duas gaivotas que o salvavam e levavam para terra - diz o Luís.
-          Tudo bem - diz o animador - mas em vez de gaivotas, podíamos pôr um petroleiro a salvar o pescador. Que acham?
-          Boa ideia - gritam as crianças em coro.
E com entusiasmo lançam-se ao trabalho.

            Eis o engano de muitos educadores: o grito entusiástico das crianças. É frequente ouvir-se dizer a propósito deste ou daquele trabalho, desta ou daquela actividade: "- Eles gostaram". Para que tal aconteça, basta, muitas vezes, que o educador use um pouco da sua "esperteza" e conduza a criança para o local, para o ponto, para o objectivo a que se tinha proposto. Chama a esta condução: motivação.
            Sabemos como é fácil introduzir "petroleiros" na imaginação das crianças. O difícil é permitir-lhe a liberdade suficiente para que, através dessa capacidade imaginativa, apareçam as "gaivotas", oriundas de um tempo lúdico ou seja, de um tempo em que o mundo da fantasia convive com o mundo da regra, onde a criança utiliza o tempo brincando tendo por base situações onde cria, vive e age, na presença do "binómio fantástico" que dá livre acesso à transgressão, conservando, no entanto, uma estreita ligação à ordem e à regra. Esta transgressão assenta no acto da criança colocar a memória e a imaginação a agir para além do real, brincando e jogando num espaço e num tempo de fantasia, de maravilhoso e de fantástico, caminhos propícios ao desenvolvimento do pensamento, da linguagem, de uma progressiva socialização e, progressivamente, ao aparecimento de elementos do mundo real.          
É fundamental que a criança viva feliz, cresça saudável e em perfeita harmonia consigo e com o mundo que a rodeia. É fundamental que tenha ao seu dispor projectos educativos pensados e elaborados em função das suas necessidades fundamentais e em que os diferentes elementos que constituem o seu círculo socializante, meio socioeconómico e cultural, modelos, regras e recompensas afectivas, sejam convergentes.           
 Para ajudar a criança a crescer em liberdade, há que primeiramente compreendê-la, respeitando as suas vivências, a sua espontaneidade e, sobretudo, a liberdade de se manifestar como deseja, de pensar, de agir, de sonhar e de criar.
Livre de pensar... que liberdade de pensar tem uma criança quando tudo lhe aparece feito, não em sua função mas em função daquilo que alguns adultos pensaram ser o melhor para ela?
            Livre de agir... que liberdade para agir tem uma criança, quando as regras do "jogo" não são as suas, nem as do seu grupo mas sim as ditadas pela sabedoria dos educadores?
Liberdade de sonhar... que liberdade para sonhar tem uma criança, quando os caminhos que conduzem a esse sonho estão superlotados de imagens adultas, normalmente certas, correctas e em que o sonho do desvio é proibido e considerado quase "pecado mortal"?
Liberdade de criar... que liberdade para criar tem uma criança que nos seus tempos livres se limita a realizar tarefas propostas pelo adulto, a copiar, a seguir caminhos já trilhados, em que a sua imaginação é desafiada em função da criatividade adulta e por isso mesmo condicionada?
Motivação e liberdade: dois tema a repensar.


1 comentário:

  1. Absolutamente de acordo consigo sobre a necessidade de repensar motivação e liberdade.
    Na minha opinião, temos um grande obstáculo pela frente: A intolerância, que se mantém ainda dentro da maioria de nós, ao reconhecimento e aceitação de que cada pessoa é única, preciosa e insubstituível.
    Obrigada por este seu espaço de reflexão. Gosto.

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