domingo, 31 de outubro de 2010

“As famílias não se fazem nos tribunais”

Nesta tarde chuvosa e escura da vida, da vida de famílias desavindas, aflitas, perdidas… penso, relembrando-me de Augusto Gil:
“Que quem já é pecador
sofra tormentos, enfim!
Mas as crianças, Senhor,
porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...”
Tenho para mim e com base no que tenho aprendido, que para a criança e jovem se desenvolvam harmoniosamente, precisam de um ambiente afectivamente equilibrado, onde recebam amor autêntico e onde se lhes permita satisfazer as necessidades próprias da infância e da adolescência, como por exemplo: ambientes saudáveis e acolhedores, bons vínculos parentais, condições básicas em termos de habitação, saúde, alimentação, educação e lazer, estímulo constante da auto-estima, e em que sejam aceites como pessoas importantes, com demonstrações de afecto, com respeito, em que a educação transmita os valores e os princípios da cidadania plena
Tenho verificado que o divórcio, com as perturbações familiares que daí advêm, provoca um abalo intenso e profundo na vida da criança ou do jovem. No entanto,  a forma que os pais escolherem para gerir e ultrapassar esta fase de ruptura,   bem como os procedimentos que irão adoptar para se relacionar no futuro, poderá vir a deixar marcas, quer ao nível psicológico, quer a nível social, vivenciando as crianças sentimentos que as perturbam, que as inquietam e que as angustiam.
As nossas crianças e os nossos jovens, que estão perante uma situação de separação ou divórcio dos seus pais, necessitam que um novo modelo funcional, ou, digamos, uma nova parceria, os auxilie de forma serem preservadas e salvaguardado do conflito vivenciado pelos pais, e onde o seu “mundo” seja um “mundo” de regras claras, coerentes e securizantes.
Os conflitos fazem parte da família, uma vez que a família é dinâmica, composta por teias complexas de relações entre seus membros. Nessas teias, estão presentes desavenças, ou seja, no quotidiano das pessoas, as disputas familiares são uma realidade. Assim, a história de uma família é marcada por momentos de crescimento, de estagnação, encontro, desencontro e reconciliação.
A existência de antagonismo, por si só, não é prejudicial às famílias. Os conflitos são essenciais ao ser humano e, bem administrados, podem promover crescimento.
Ora, aquele modelo poderá ser a mediação familiar e aquela parceria poderá ser o mediador, desde que seja facilitada a comunicação, fomentada uma parentalidade responsável, co-responsabilizando ambos os pais pelas decisões que devem ser tomadas sobre o exercício das responsabilidades parentais.
E digo mediação familiar porque tenho percebido que, quando se recorre ao tribunal para a regulação das responsabilidades parentais face à situação de divórcio, as crianças ficam sempre a perder. Não é nos tribunais que se regulam sentimentos, que se saram feridas, egoísmos e desequilíbrios. O recorrer aos tribunais mostra que os pais (um deles e ou os dois), não foram capazes de separar a conjugalidade (e as “guerras” desta) da parentalidade, ou seja do seu papel de pais. Por outro lado, raramente aquilo que é regulado em tribunal é aceite na prática, pelo que as crianças se vêm envolvidas nestas disputas, com prejuízo evidente para a sua saúde mental. Existem cada vez mais as crianças acompanhadas em psicologia e pedopsiquiatria, crianças que nos jardins-de-infância e escolas manifestam comportamentos desajustados e aprendizagens difíceis.
Importa destruir “alguns mitos comuns: o de que os pais separados ou divorciados só podem ser inimigos, ou que têm que ser amigos para poderem cooperar e exercer a parentalidade de forma adequada”.
A mediação apresenta-se-nos como um novo paradigma, já que é composta por um novo pensamento, uma atitude mais tolerante frente aos conflitos, utilizando técnicas diferenciadas o que faz através de um novo profissional que prestigia a gestão pacífica dos conflitos, principalmente quando os envolvidos possuem um tipo de vínculo que subsistirá no futuro.
Primando por ser um procedimento célere e confidencial, com soluções não impostas, a mediação tem vindo a demonstrar uma grande eficiência em situações em que o diálogo se torna primordial para a real resolução do conflito.
Aos pais: pelos vossos filhos entendam-se nas questões da parentalidade recorrendo à mediação familiar em detrimento dos tribunais. Os vossos filhos agradecem.

Os conflitos familiares

Os conflitos fazem parte da família em virtude desta ser dinâmica e composta por teias complexas de relações entre os seus membros. A história de uma família é marcada por momentos de crescimento, de estagnação, encontro, desencontro e reconciliação.
A existência de antagonismo, por si só, não é prejudicial às famílias. Os conflitos são essenciais ao ser humano e, se bem administrados, podem promover o crescimento.
Olhando a vida através dos percursos trilhados, por entre momentos de paz e de conflito, concluo que a nossa existência lembra um riacho em busca do mar. Pelo caminho surgem pedras, barreiras e obstáculos mas, o riacho inteligente, contorna, assimila, passa por cima, passa por baixo, encontrando sempre um jeito de prosseguir até ao mar. Porquê? Porque o mar é a sua viagem final.
Assim o é para uma eficaz resolução dos conflitos. Se não vejamos: é preciso compatibilizar alguns passos a serem seguidos; conhecer e aplicar alguns saberes e, também, definir o estilo a ser adoptado; criar uma atmosfera afectiva; esclarecer as percepções; focalizar as necessidades individuais e compartilhadas; construir um poder positivo e compartilhado; olhar para o futuro e, em seguida, aprender com o passado; gerar opções de ganhos mútuos; desenvolver passos para a acção ser efectivada e; estabelecer acordos de benefício mútuo.
Em suma: o rio atingiu o mar, ou seja a sua meta, porque aprendeu a superar as dificuldades, sempre e em tudo, com uma profunda vontade de ser, crescer, servir e…amar.
E embalado pelas ondas oceânicas concluo: aceitar as diferenças com naturalidade é ter a capacidade de perceber que este mundo é de todos e que, pelo facto de não nos conseguirmos “sentar à mesma mesa” para discutirmos as diferenças, criamos julgamentos e pensamentos contrários. Quando conseguimos resolver os nossos conflitos libertamo-nos; pelo contrário, quando os levamos às últimas consequências tornamo-nos amargos e encaramo-los como factos nocivos. Assim sendo o caminho a seguir é enfrentá-los, já que lutar é não entender, julgar é achar que se é o melhor, contrariar é perder a oportunidade, fugir é perder, aceitar é resolver.
As nossas famílias, por elas e pelas suas crianças, precisam de se entender porque… precisam de ser felizes!

sábado, 30 de outubro de 2010

Jogar é Aprender

Nenhuma outra actividade é tão tipicamente infantil como o jogo: as crianças jogam em todas as idades e em todas as culturas. Ele é para a criança o seu meio privilegiado para se exprimir, sendo a sua forma de estar no mundo, de testar, de desenvolver e afirmar a sua personalidade. A criança joga para se divertir. Jogando elabora o seu desenvolvimento em direcção à felicidade, feita de alegria de viver e de conviver com os outros.

Jogando aprende e fá-lo através de um conjunto de processos mentais complexos. Tomando como ideia base que a aprendizagem implica o processamento de um conjunto de informações e se desenrola num tempo, que passa por diversas fases que correspondem à activação de diferentes processos mentais e que são sustentados por diversas estruturas, podemos afirmar que jogando a criança desenvolve em pleno estas mesmas estruturas.

Por outro lado e se analisarmos as diferentes características da memória (memória a curto termo, memória a longo termo), poderemos igualmente concluir que o jogo, permitido um sucessão de imagens auditivas, visuais e/ou gestuais, contribui para a, digamos, "sobrevivência" de um grande número de informações na primeira daquelas memórias e por conseguinte a um "armazenamento" também elevado na memória a longo termo. Ora é nesta passagem de uma memória para a outra que se encontra o aspecto mais decisivo de todo o processo de aprendizagem, porque é ele que permite que a nova informação seja utilizada em situações futuras. 

Para o educador, o jogo é o melhor meio de formação e o melhor veículo para favorecer a maturação de capacidades fisiológicas e sensoriais possibilitando o desenvolvimento cognitivo, nos seus mais variados aspectos: observação, atenção, memória, vocabulário, imaginação...

No jogo, o educador está tão implicado quanto a criança, já que as actividades do grupo que joga, o implicam directamente. Se não vejamos:

·        Por que o educador é um elemento do grupo, compete-lhe motivar, orientar, explorando a criatividade e a imaginação;

·        Varia e adapta, consoante os interesses, as necessidades e a evolução do grupo;

·        Planifica as actividades considerando os interesses do grupo;

·        Convida à reflexão e discussão sobre descobertas e vivências;

·        Avalia da sua própria actuação, da do grupo e de cada um;

·        Evita impor a sua organização de adulto aprendendo "as regras de jogo" estabelecidas pela criança;

·        Incita e aplaude os resultados dos esforços para alcançar o melhor.

O educador levará assim a criança à descoberta de si própria, do meio que a rodeia e ainda a uma noção de grupo e de trabalho de equipa, ou seja a uma personalização e a uma socialização.

O educador deverá aceitar a experiência do gozo, ou seja, o atributo do prazer. Está onde o jogo surge livremente, ou seja, a sua acção passa por um triângulo cujos vértices seriam a alegria, o prazer e o bem-estar.

         Sabendo e pondo tudo isto em prática, pedagogos como Claparede, Frobel, Decroly e Montessori, para citar quatro nomes ilustres, estruturaram a escola de molde a que a criança nela vivesse em situação de jogo.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Os direitos das crianças de pais separados


Quando falamos em desenvolvimento da criança estamos, a falar das suas capacidades e das suas potencialidades. Falamos daquilo que a criança traz consigo quando nasce e do que fazer para que vá crescendo no caminho do sucesso e da felicidade. Os pais desejam que os filhos progrediam o máximo, de forma a tornarem-se adultos bem sucedidos; e, como se sabe, a chamada "era global" tem cada vez mais exigências. Por outro lado, há a esperança, por parte dos pais, de que os filhos tenham bons relacionamentos afectivos e sociais, o que é absolutamente legítimo, desde que não se transforme em ansiedade e exigências desmedidas e sem critério.
É essencial para que o desenvolvimento se processe, de uma forma harmoniosa, que todas as crianças tenham as suas necessidades básicas atendidas, não só as inerentes à sobrevivência e protecção, mas também aquelas que lhes permitam desenvolver as suas potencialidades com vista à sua participação na sociedade, de acordo com a sua idade e desenvolvimento, e crescer tendo em vista o ser solidário e responsável.
Destas necessidades fazem parte o ter amigos e familiares, amor, riso, locais seguros para brincar, ouvir e ler histórias, jardins-de-infância e escolas estimulantes e tudo o que lhes permita estimular a mente; precisam, igualmente, de compartilhar da vida da sua família, da sua escola, da sua comunidade, para que assumam responsabilidades e tenham voz.
Um ambiente familiar seguro é fundamental para o desenvolvimento pleno e harmonioso das crianças, que Children must be brought up in an atmospherdevem crescer e viver em ambientes envoltos in peace, love, dignity, happiness, freedom, equality and understanding. em paz, amor, dignidade, felicidade, liberdade, igualdade e compreensão. Mesmo quando By os pais se separam as crianças continham a ter direito ao pai e à mãe. A título de exemplo eis alguns desses direitos:
Primeiro: têm direito a amar ambos os pais, a ser amada por eles e a estar com ambos. (Os pais não devem alimentar nas crianças o sentimento de culpa por os filhos quererem estar com um ou com o outro. É legítimo e saudável que ambos façam parte da vida da criança; por outro lado não devem desprestigiar ou criticar o outro na frente da criança, porque essa crítica magoa e transtorna a auto-estima).
Segundo: as crianças não devem ser forçadas a optar em viver com o pai ou com a mãe, pois pode muito bem viver com os dois. (Se a criança optar por viver com qualquer um deles que o faça de livre vontade, e que essa vontade seja respeitada e não vista como uma perda por parte do outro).
Terceiro: as crianças têm direito a ter os seus próprios sentimentos. (Não é legítimo que as façam ter vergonha por os seus pais não viverem juntos, como é perfeitamente aceitável que sintam medo, zanga e tristeza por isso).
Quarto: um dos direitos fundamentais é o de estarem em ambiente tranquilo. (Assim sendo ninguém tem o direito de colocar as crianças em situações perigosas, tanto física como emocionalmente).
Quinto: as crianças têm o direito de não ser envolvidas nas disputas entre os pais a quando da sua separação. (Os pais esquecem-se, muitas vezes, de que filhos não são adultos e que as “lutas” são deles e não das crianças).
Sexto: os avós, os tios, os primos entre outros familiares, continuam a fazer parte da vida da criança. (Mesmo vivendo com um dos pais as crianças têm o direito de estar e ver os seus familiares por parte do outro, já que fazem parte das suas vidas).
Sétimo: as crianças têm direito a ser crianças. (Os pais precisam de perceber que não devem envolver os filhos nos seus problemas de forma a que estes deixem de viver as suas vidas; os filhos devem continuar a ter os seus amigos, as suas actividades, as suas escolas…).
Oitavo: a quando da regulação das responsabilidades parentais, ficam estipulados a residência, os contactos e a pensão de alimentos, tendo a criança o direito de que estes sejam cumpridos. (No que diz respeito à pensão de alimentos, a perda de rendimentos que muitas crianças enfrentam a quando da separação, pode colocá-las numa desvantagem financeira que terá efeitos nefastos para o resto das suas vidas).
Termino com uma parábola que aprendi com o pediatra João Gomes Pedro num nos seus livros. Conta assim:
Numa tarde solarenga, um grupo de amigos fazia um “picnic” numa margem de um rio.
Acabavam de expor numa toalha estendida sobre a relva o que tinham trazido nos seus farnéis quando se ouviu alguém a gritar: «Está ali uma criança a afogar-se no meio do rio!».
Um dos homens do grupo, quase como uma mola disparada, rapidamente descalçou os sapatos, atirou-se à água e, poucos minutos depois, trazia agarrada a si, à tona da água, a criança salva.
Mal regressado à margem onde depôs a criança, já em terra seca, ouviu-se outro grito: «Está outra criança a afogar-se no meio do rio!».
O nosso homem atirou-se de novo ao rio e, quase sem respirar, voltou pouco depois à margem com a nova criança ao colo.
Todos os amigos se encarregavam, entretanto, de secar as duas crianças com toalhas, cobrindo-as de seguida com cobertores.
O salvador preparava-se, então, para despir as suas roupas molhadas mas, eis senão quando, alguém gritou outra vez: «Está outra criança a afogar-se!».
Em vez de se atirar de novo ao rio, o herói desta história, ainda meio despido, gritou para os amigos: «Alguém que não eu irá desta vez!».
Dito isto, tal como estava, começou a correr margem acima, à beira rio. Os outros amigos, quase em uníssono, perguntaram-lhe então: «Onde é que vais?». Respondeu o nosso homem: «Vou correr rio acima e descobrir quem está a atirar putos ao rio!».
E, Gomes Pedro, com a autoridade que lhe é reconhecida, conclui: NÓS.
As nossas crianças, os nossos filhos têm o Direito de não serem atirados ao rio.
<긔Ȧ>

terça-feira, 26 de outubro de 2010

O mau-trato entre iguais - “bullying"(I)

Todos os dias alunos em todo o mundo sofrem de um tipo de violência que, muitas vezes, vem mascarada sob a forma de “brincadeira”. Este tipo de “brincadeira” era, até há bem pouco tempo, considerado inofensivo e, por isso, não valorizado por professores, educadores e pais. Hoje, e graças a estudos ainda recentes, sabe-se que estes comportamentos podem trazer sérias consequências para o desenvolvimento psíquico das crianças e jovens, podendo gerar uma baixa auto-estima ou, nos casos mais graves, podem mesmo conduzir ao suicídio. (Há estudos que permitiram verificar que, nos últimos anos, aproximadamente 60% dos jovens na faixa etária entre os 14 a 19 anos de idade foram vítimas de algum tipo de violência na escola).
Esta violência é designada por “mau-trato entre iguais” ou, utilizando o termo inglês, “bullying”, e diz respeito a atitudes agressivas, intencionais, sem motivação aparente, repetidas e praticadas por um ou mais alunos contra outro, sendo uma forma de afirmação de poder interpessoal através da agressão, seja esta física ou psíquica.
Este mau-trato tem consequências negativas, imediatas e tardias, sobre todos os envolvidos: vítimas, agressores ou simplesmente observadores Estas consequências variam consoante a idade e o desenvolvimento físico e emocional de cada um dos envolvidos.
As vítimas são as crianças e jovens que, frequentemente, são ameaçadas, intimidadas, isoladas, ofendidas, discriminadas, agredidas, a quem chamam “nomes” ou colocam alcunhas, que são provocadas, que vêem os seus objectos pessoais roubados ou destruídos. Normalmente mostram-se tímidas, com receio de ir para escola, não procurando ajuda por sentirem que ninguém as defende, ou por medo de represálias. Podem ter baixo rendimento escolar, ficarem deprimidas, ansiosas, terem dificuldades para dormir e pesadelos, encetar fugas, etc.
Os agressores são crianças e jovens que, normalmente, aprenderam a usar o comportamento agressivo para resolver os seus problemas com os adultos de referência; apresentam comportamentos de intimidação e de provocação permanentes; acham que todos devem atender de imediato aos seus desejos; demonstram dificuldades de se colocar no lugar do outro; apresentam dificuldades de relacionamento, sendo inseguros e; reagem mal à pressão do momento.
Os observadores são as crianças e jovens que vêem, constantemente, as situações deste mau-trato, tornando-se inseguras e temerosas. Os observadores raramente contam as suas impressões face ao mau-trato por receio de se tornarem alvo deste ou, simplesmente, por terem sido ignorados pelos adultos nas tentativas que fizeram para falar do que observaram.

O mau-trato entre iguais - “bullying" (II)

Um estudo realizado no nosso País, a cerca de 7.000 crianças e jovens em idade escolar mostrou que, aproximadamente, um em cada cinco alunos (22%) entre seis e dezasseis anos já foi vítima de “bullying” na escola. Este estudo avaliou, igualmente, que o local mais comum da ocorrência de maus-tratos é os pátios de recreio (78% dos casos), seguidos dos corredores (31,5% dos casos) (Almeida, 2003).
Portanto, as situações de “bullying” não são brincadeiras ou simples desentendimentos pontuais entre crianças e jovens. Esta problemática tem implicações do ponto de vista da prática educativa, e as suas diferentes manifestações devem preocupar os pais, os professores e os educadores. (Por vezes é nas escolas que dizem que não têm situações de “bullying” que ele mais existe).
No entanto, nem todas estas ocorrências podem ser caracterizadas como “bullying”. Alguns episódios esporádicos e brincadeiras próprias de cada idade, mesmo com comportamentos por vezes inadequados, não trazem consequências para a auto-estima e fazem parte do desenvolvimento e da socialização da criança e do jovem.
 Dizem os estudos que a melhor forma de combater o “bullying” é evitá-lo e, para tal, torna-se fundamental falar dele.
As escolas devem encontrar-se estratégias para prevenir e controlar o “bullying”, já que nenhuma está imune ao mesmo, (a prevenção deve estar em primeiro lugar).
O primeiro passo deve ser avaliar o entendimento que pais, alunos, professores e todos os funcionários da escola, têm sobre este mau-trato e a frequência com que ele ocorre na visão de todos. Depois é preciso tempo e habilidade para lidar com as crianças envolvidas, bem como  com as suas famílias, sendo necessário que os professores tenham ao seu dispor suportes adequados que os ajudem nesta matéria.
Torna-se necessário que toda a comunidade educativa seja envolvida pelo que é fundamental informar, sensibilizar, conscientizar e mobilizar para esta problemática, de forma a que todos tenham presente que a melhor forma de tratar o “bullying” é evitar que ele ocorra; que qualquer criança ou jovem pode estar a sofrer deste mau-trato (como vítima, como agressor ou observador); que qualquer forma de “bullying” é inaceitável; que, normalmente, os adultos não são testemunhas do “bullying”e; que não deve ser ignorado o facto da criança ou jovem se manifestar afirmando que está a ser vítima ou observadora.
Duas notas finais sobre este assunto.
A primeira é que o “bullying” pode ser causado por outras crianças e jovens, mas pode estar presente na relação de pais e filhos e entre professor e aluno. Alguns exemplos disso são o daqueles adultos que ironizam, ofendem, expõe as dificuldades perante o grupo, excluem, fazem chantagens, colocam apelidos preconceituosos e têm a intenção de mostrar a sua superioridade e poder, usando este comportamento frequentemente.
A segunda é que as crianças e os jovens estão a ser, actualmente, vítimas de um outro tipo de intimidação. Trata-se do “cyberbullying”. A exposição vem pela internet e, muitas vezes, a vítima nem sabe que está sendo alvo dessas “brincadeiras”. Noutras, até descobre mas não consegue  defender-se porque o agressor é anónimo. Hoje em dia basta entrar na internet para encontrar e colocar na rede, brigas  e outros comportamentos desajustados de crianças e jovens, gravados através dos telemóveis uns dos outros.
Por último importa ter presente que é de todo importante, que o direito ao respeito e à dignidade pela criança e pelo jovem são valores fundamentais, sendo a educação entendida como um meio de promover o pleno desenvolvimento da pessoa, bem como prepará-la para o exercício pleno da cidadania. Todos queremos e desejamos que as escolas sejam ambientes seguros e saudáveis, onde crianças e jovens possam desenvolver, ao máximo, as suas potencialidades intelectuais e sociais, não se podendo admitir que sofram actos de violência que lhes tragam danos físicos e/ou psicológicos; que testemunhem tais factos e se calem para que não sejam também agredidos e acabem por achá-los banais ou, pior ainda, que diante da omissão e tolerância dos adultos, adoptem comportamentos agressivos ou, simplesmente, achem que a vida é uma vida de violência e, como tal, não vale a pena viver.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

A criança: motivação e liberdade

Num grupo de crianças de 6/7 anos, construía-se uma história para ser dramatizada, cujo o tema era o mar.
-          Para mim - dizia uma - devíamos ter um pescador.
-          Um pescador que ia à pesca para o alto mar - diz outra.
-          Depois perdia-se no mar e apareciam duas gaivotas que o salvavam e levavam para terra - diz o Luís.
-          Tudo bem - diz o animador - mas em vez de gaivotas, podíamos pôr um petroleiro a salvar o pescador. Que acham?
-          Boa ideia - gritam as crianças em coro.
E com entusiasmo lançam-se ao trabalho.

            Eis o engano de muitos educadores: o grito entusiástico das crianças. É frequente ouvir-se dizer a propósito deste ou daquele trabalho, desta ou daquela actividade: "- Eles gostaram". Para que tal aconteça, basta, muitas vezes, que o educador use um pouco da sua "esperteza" e conduza a criança para o local, para o ponto, para o objectivo a que se tinha proposto. Chama a esta condução: motivação.
            Sabemos como é fácil introduzir "petroleiros" na imaginação das crianças. O difícil é permitir-lhe a liberdade suficiente para que, através dessa capacidade imaginativa, apareçam as "gaivotas", oriundas de um tempo lúdico ou seja, de um tempo em que o mundo da fantasia convive com o mundo da regra, onde a criança utiliza o tempo brincando tendo por base situações onde cria, vive e age, na presença do "binómio fantástico" que dá livre acesso à transgressão, conservando, no entanto, uma estreita ligação à ordem e à regra. Esta transgressão assenta no acto da criança colocar a memória e a imaginação a agir para além do real, brincando e jogando num espaço e num tempo de fantasia, de maravilhoso e de fantástico, caminhos propícios ao desenvolvimento do pensamento, da linguagem, de uma progressiva socialização e, progressivamente, ao aparecimento de elementos do mundo real.          
É fundamental que a criança viva feliz, cresça saudável e em perfeita harmonia consigo e com o mundo que a rodeia. É fundamental que tenha ao seu dispor projectos educativos pensados e elaborados em função das suas necessidades fundamentais e em que os diferentes elementos que constituem o seu círculo socializante, meio socioeconómico e cultural, modelos, regras e recompensas afectivas, sejam convergentes.           
 Para ajudar a criança a crescer em liberdade, há que primeiramente compreendê-la, respeitando as suas vivências, a sua espontaneidade e, sobretudo, a liberdade de se manifestar como deseja, de pensar, de agir, de sonhar e de criar.
Livre de pensar... que liberdade de pensar tem uma criança quando tudo lhe aparece feito, não em sua função mas em função daquilo que alguns adultos pensaram ser o melhor para ela?
            Livre de agir... que liberdade para agir tem uma criança, quando as regras do "jogo" não são as suas, nem as do seu grupo mas sim as ditadas pela sabedoria dos educadores?
Liberdade de sonhar... que liberdade para sonhar tem uma criança, quando os caminhos que conduzem a esse sonho estão superlotados de imagens adultas, normalmente certas, correctas e em que o sonho do desvio é proibido e considerado quase "pecado mortal"?
Liberdade de criar... que liberdade para criar tem uma criança que nos seus tempos livres se limita a realizar tarefas propostas pelo adulto, a copiar, a seguir caminhos já trilhados, em que a sua imaginação é desafiada em função da criatividade adulta e por isso mesmo condicionada?
Motivação e liberdade: dois tema a repensar.


sábado, 23 de outubro de 2010

A escola... um outro mundo da criança

A escola é sem dúvida um lugar privilegiado para que a criança aprenda, ela própria mantém em relação à escola essa expectativa, o encontro com o conhecimento, o espaço capaz de lhe proporcionar a satisfação da sua curiosidade quase que inesgotável. Mas a escola é também separação e desconhecido e como separação cria conflito e como desconhecido suscita medo e curiosidade. Mas acima de tudo a escola é relação, relação com os outros, os companheiros e o professor, relação consigo mesma com as suas perguntas e as suas respostas, que a levam a pensar, a aprender e a crescer.
A escola não é apenas a transmissão de conhecimento vazio de emoção e afecto, porque a criança valoriza o saber pela maneira como o pensa e o sente, assim a escola tem muito a ver com o gostar. Gostar de aprender, gostar de estar e de lá voltar, gostar de si e gostar dos outros.
Para caminhar neste novo espaço desconhecido que pode ser pleno de experiências e não esqueçamos que primeiramente se aprende pela experiência e pela acção, mas que sempre se mistura a emoção, a criança terá como companheiros, primeiro o educador, depois o professor, capazes ou não de a compreender, de se dar e de se encontrar, para com ela aprender e assim poder ensinar. Disponíveis para entender cada aluno e encontrar a medida do seu crescimento, anterior e interior, dele partir para continuar a construir, a ajudar, a organizar e a facilitar o seu crescer, o seu aprender, entendendo que " querer aprender será sempre diferente de querer ser ensinado. Que aprender implica relacionarmo-nos em dois mundos - externo e interno -, retirando do primeiro coisas a estruturar num espaço mental, dando-lhe sentido na forma de pensamentos, misturá-los, modificá-los à luz das experiências emocionais e aplicá-los com significado e adequadamente a outras e novas situações criadas em cada um destes espaços ou na sua dependência." (Strecht,1995)

O Papel da família e a criança

             A família é o sistema base de todas as sociedades. É um fenómeno universal ligado à estrutura biológica do ser humano. É uma instituição que lhe permite sobreviver e desenvolver-se.
            A família tem como funções fundamentais: assegurar e promover o desenvolvimento da criança, correspondendo às suas necessidades e nas diferentes fases da sua evolução; tem a função de organizar a dinâmica familiar de forma a constituir um quadro que dê à criança estabilidade afectiva e social, na qual se estruturará a sua personalidade, canalizando e direccionando o seu desenvolvimento até à sua maturação; como grupo social tem a função de iniciar a criança nos seus papéis sociais essenciais, e garantir ao mesmo tempo a transmissão de valores e saberes de geração em geração.
            A criança nasce imatura completamente dependente sendo à família que compete a satisfação das suas necessidades fisiológicas, de afecto e segurança, adaptando as suas respostas às necessidades por ela sentidas.
A família deve organizar-se como matriz, como continuidade no desenvolvimento da criança para que esta possa prosseguir com êxito a caminhada da vida.
O sistema familiar constitui um grupo de um género muito particular, porque tem características que lhe são impostas pelas diferenças sexuais dos seus elementos e papéis que lhe estão destinados. A célula familiar é composta gerações na qual cada elemento tem as suas necessidades, inicialmente cresceram em duas famílias diferentes e fundiram-se numa nova e única célula, a qual também difere da família de origem, exigindo maleabilidade da parte de ambos. Os dois sexos são educados para se completarem nas tarefas que desempenham, na sua relação amorosa e na educação dos filhos.
            Normalmente os casais dependem um do outro, mas os filhos dependem dos pais. É de extrema importância todo o ambiente que envolve a família, a forma como os pais se relacionam entre si e com a criança, como desempenham os seus papéis e os representam, porque é a partir da qualidade afectiva dessa relação que a criança vai organizando e estruturando a sua personalidade. Os pais são os primeiros objectos de afeição e amor por parte dos filhos, assim a sua relação deve constituir uma coligação coerente e bem sucedida pois é com eles que a criança se identifica não só porque são adultos e estão próximos, mas pelos laços que estabelecem e pela forma como se dão.
Segundo Meltzer (1986) «as funções básicas de uma família são: gerar o amor, promover a esperança, conter os sentimentos depressivos e organizar o pensamento.»
Contudo, sabemos que hoje existem famílias em que essas funções não são asseguradas. Nem sempre os elementos de um sistema familiar se articulam, interagem e se organizam desempenhando os ajustadamente as funções ou papéis que à partida lhe estavam destinados.
Há também famílias que optam por padrões confusos de relações entre pais-filhos, em que os primeiros se demitem das suas funções, contribuindo assim para a não diferenciação das duas gerações e conduzindo a uma ausência de modelos para a criança.
Perante situações como as que acabámos de descrever, encontramos crianças a viver no vazio de um universo de relações, à procura de uma identidade própria, sem vontade de aprender, sem vontade de crescer. Podemos assim concluir que uma criança existe em função da sua família e tudo começa antes do nascimento, depois é alimentar, sustentar o amor que se constrói num primeiro momento, fortalecendo-o em cada marca da sua evolução e ao longo das diferentes etapas do seu desenvolvimento.
            Falando de emoções, Pedro Strecth (1995) diz-nos que «as emoções com os afectos devem ser a base de toda a aprendizagem. É que as coisas são primeiro investidas, só depois intuídas e finalmente percebidas. Aprenderá, quem estiver afectiva e sentimentalmente estimulado». 

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

"Órfãos" de pais vivos(I)

“Uma criança não nasce feliz, torna-se feliz”
Eduardo Sá
É com uma preocupação crescente que escrevemos estas breves linhas. Senão vejamos: se por um lado nos preocupamos, cada vez mais, com alguns aspectos de mudança (fazemos dieta e exercício físico, exercitamo-nos para aumentar a memória, tentamos deixar de fumar e de abusar de bebidas alcoólicas, tentando, por diversos meios, aumentar a nossa esperança de vida…, em suma, procuramos encontrar mais significado para a vida); por outro lado colocamos em causa, sem qualquer pudor, a vida das nossas crianças (inclusivamente há pais e mães que “matam” na criança o pai ou a mãe). Estamos a falar do cada vez mais visível, “sindroma de alienação parental”.
Por alienação parental entenda-se um transtorno psicológico caracterizado por um conjunto de sintomas pelos quais um dos pais, chamado alienador, transforma a consciência dos seus filhos, mediante diferentes estratégias de actuação, com o objectivo de impedir, criar obstáculos ou destruir os seus vínculos com o outro progenitor, o chamado alienado, sem que existam motivos reais que justifiquem essa condição” (Richard Gardner).
A alienação parental é uma forma de abuso emocional que pode causar à criança distúrbios psicológicos ou psicossomáticos como por exemplo, depressão, transtornos de identidade e de auto-imagem, desespero, baixa auto-estima, sentimentos incontroláveis de culpa, sentimentos de isolamento, comportamento agressivo, falta de organização, dupla personalidade e até mesmo graves perturbações psiquiátricas, distúrbios que poderão durar toda a vida. (Há estudos que mostram que, quando adultos, as vítimas da alienação tem inclinação para as bebidas alcoólicas, para a droga, são propensos à depressão, ao suicídio e à violência, apresentam sintomatologias de profundo mal estar e que têm tendência a reproduzir a mesma patologia psicológica que o alienador). São crianças impacientes, nervosas e menos capazes de conceptualizar situações complexas.
A alienação surge, de uma maneira geral, na sequência da separação e do divórcio e quando um dos pais não consegue elaborar, adequadamente, o “luto” daqueles. Os pais ao separarem-se levam muitas vezes a certeza de que o relacionamento não deu certo por culpa do outro, não conseguindo lidar com a “perda”. Transformam então o afecto, o carinho, o amor de outrora em ódio mortal e utilizam os filhos como “armas de arremesso”, desencadeando um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-cônjuge/companheiro(a), criando uma série de situações visando dificultar ao máximo, ou a mesmo impedir, o contacto com os filhos levando, não raras vezes, os filhos a rejeitarem a mãe/pai e até a odiá-lo. Os filhos são, assim, utilizados como instrumento da agressividade direccionada ao parceiro, sendo induzidos a afastarem-se de quem amam e que também os ama, gerando uma enorme contradição de sentimentos e destruição do vínculo parental o qual, passados alguns anos, não é mais passível de ser reconstruído.
Os filhos passam, por assim dizer, a ser “órfãos” de pai/mãe vivo, sentindo os efeitos de uma enorme perda, só comparável à morte de um dos pais, avô/avó, familiares próximos ou amigos. Por outro lado, e com o decorrer do tempo, acabam por aceitar como verdadeiro tudo que lhe é transmitido não sendo capazes de discernir que estão a ser manipulados. Com o passar do tempo nem o próprio pai/mãe alienador distingue a verdade da mentira passando a sua verdade a ser a verdade para os filhos. E, neste jogo de manipulação, tudo é permitido! O tempo funciona a favor do alienador. Quanto mais demora a identificação do que realmente acontece, menos hipóteses existe de serem detectadas as falsidades existentes.
Eis algumas das estratégias utilizadas por pais ou mães com vista a afastar os filhos do ex-companheiro(a): limitação de contactos com o alienado ou sua família; pequenas punições muito subtis quando os filhos manifestam satisfação no relacionamento com o alienado; transmitir a ideia aos filhos de que foram abandonados e que não são amados pelo alienador; levar a criança a escolher entre um ou outro; criar na mente dos filhos a ideia de que o outro é perigoso; não falar do outro em casa; provocar conflitos entre os filhos e o alienado; interceptar presentes, telefonemas, correio… do alienado para os filhos; interrogar os filhos quando chegam das visitas; instigar os filhos a chamar o pai alienado pelo seu próprio nome; abreviar, reduzir ou mesmo cancelar e impedir as visitas ao outro por motivos fúteis ou mesmo criando situações graves; confidenciar aos filhos, com riqueza de detalhe, os seus sentimentos negativos e as más experiências vividas com o pai/mãe ausente; denúncias falsas de abusos perante os filhos nomeadamente o abuso sexual; apresentar um novo companheiro aos filhos como sendo a sua nova mãe ou o seu novo pai; recusar informações ao outro sobre as actividades em que os filhos estão envolvidos ou “esquecer-se” de avisar de compromissos importantes (dentistas, médicos, psicólogos, escola…); dizer aos filhos que a roupa que o outro comprou é feia, fora de moda e proibi-los de usá-las; culpar o outro pelo mau comportamento dos filhos, etc.
Mas cuidado. Nem sempre se trata de alienação parental. É importante, antes de diagnosticar uma situação de alienação parental, estar-se seguro que o alienado não merece ser rejeitado e odiado por comportamentos realmente depreciáveis. Devem ser os profissionais, nomeadamente os de saúde mental, a diagnosticar para que não se caia no erro de a tudo chamar alienação parental quando o não é.

 

"Órfãos" de pais vivos(II)

É possível prevenir a alienação parental ou só resta remediar? A resposta é: sim, é possível prevenir.
Antes de mais torna-se importante e necessário que se compreenda que, quando o grupo familiar se encontra desintegrado, sem ser capaz de contribuir para uma boa estruturação emocional e um desenvolvimento sadio dos elementos que o integram, em especial as crianças e os jovens, esses acabam por vivenciar situações de certa forma traumáticas que irão influenciar as suas vidas. Importa ainda perceber que a convivência com ambos os pais é fundamental para a construção da identidade social e subjectiva da criança, e que a diferença das funções do pai e da mãe é importante para a formação dos filhos, pois essas funções são complementares e não implicam hegemonia de um sobre o outro; por outro lado temos que estar conscientes que os pais são responsáveis pela formação emocional e intelectual de seus filhos desde o nascimento até a maioridade, responsabilidade esta assumida de diversas forma, nomeadamente, através dos seus exemplos e ensinamentos, da relação de amizade e de carinho.
Em caso de conflito familiar (com origem no divórcio/separação ou não), devem os pais ter em atenção o quanto são (ambos) importantes e necessários para o crescimento e desenvolvimento harmonioso dos seus filhos e recorrer às “ajudas” existentes numa dada comunidade, como sejam a terapia familiar ou a mediação familiar.
A mediação familiar, por exemplo, permite aos pais em situação de divórcio/separação, o apoio necessário para a elaboração de um acordo de regulação das responsabilidades parentais, permitindo-lhes cooperar um com o outro na elaboração de um acordo que satisfaça ambas as partes e, principalmente, os filhos.
Uma vez identificada uma situação de alienação parental, é importante que o poder judicial ponha cobro ao seu desenvolvimento impedindo, dessa forma, que a síndrome se venha a instalar. O recurso à via judicial é fundamental para que os direitos das crianças sejam salvaguardados, nomeadamente porque os filhos não devem ficar privados do direito à convivência familiar quando ela é sadia. Há então que fazer uma correcta avaliação da situação da família, em especial da criança, inclusive quanto ao seu desenvolvimento físico, social e psíquico, bem como uma a redobrada atenção aos factos existentes.
É nosso entendimento que em toda e qualquer acção da família, da sociedade e do Estado se tenha como primordial o interesse superior da criança, interesse este que deve nortear as relações paterno-materno-filiais e a concretização dos direitos fundamentais da criança.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Educação Parental (II)

Ao longo dos últimos anos têm sido dados passos muito importantes nas políticas sociais de apoio às crianças e famílias em risco, particularmente com a criação de equipas multidisciplinares especializadas em áreas tão importantes como sejam, as da preservação primária, secundária e terciária, numa tentativa para que se materialize uma intervenção pluridisciplinar, numa parceria interinstitucional diversificada e que actue o mais precocemente, preferencialmente ainda no seio da família, particularmente junto dos pais, onde se estabelecem as primeiras relações de vinculação, cuja qualidade é fundamental para o desenvolvimento harmonioso da criança; têm-se operado, ao nível do apoio familiar, diversas alterações de forma a garantir melhores condições que assegurem o bem-estar das crianças, criando as condições facilitadoras do exercício de funções parentais adequadas, de forma a ajudar as famílias a estabelecerem um relacionamento saudável e positivo com as suas crianças, centrado no exercício da autoridade, no diálogo, no respeito e numa educação pelo afecto.
Assim se tem promovido o superior interesse da criança, no seu direito a crescer numa família ou, em caso de acolhimento, ao respeito pelo seu bem-estar e desenvolvimento integral.
Já o afirmámos em variadíssimas ocasiões, já o lemos e ouvimos em diversos seminários, artigos, noticiários: é um factor de risco para as crianças a vulnerabilidade das famílias pelo que se torna uma necessidade e urgente, promover a educação e o apoio parental o mais precocemente possível, agindo preventivamente face a possíveis adversidades.
Qualquer intervenção a favor da criança deverá “englobar as suas necessidades sociais, biológicas, psicológicas e afectivas, em cada um dos seus aspectos e das suas relações”.
É prioritário defender e proteger a criança tendo em conta que, mesmo os casos aparentemente «suaves», podem, rápida e inesperadamente, aumentar de gravidade pondo em risco a vida, a integridade física e/ou psicológica da criança.
A protecção da criança passa sempre pela protecção do seu «superior interesse». Neste sentido, a intervenção junto da família deverá ser o caminho e o objectivo primordial.
Temos, portanto, de promover e desenvolver, rapidamente, programas de educação parental.

Educação Parental (I)

"Não há tarefa mais importante que a de construir um mundo no qual as nossas crianças possam crescer para realizar todo o seu potencial em saúde, paz e dignidade",  (Kofi Annan, ex-secretário-geral das Nações Unidas)
A criança é, mesmo que sem voz, a voz da nossa esperança. As distintas representações da infância têm-na caracterizado por traços negativos, mais do que pela definição de conteúdos (biológicos ou simbólicos) específicos. A criança é, ainda hoje, considerada como um “não-adulto” e este olhar, digamos, “adultocêntrico” sobre a infância, regista a ausência, a incompletude ou a negação das características de um ser humano “completo”. A infância, como a idade do não, está inscrita desde o étimo da palavra latina que designa esta geração: in-fanso que não fala.
Importa, por isso, dar a cada criança o direito de viver em autenticidade, integralidade e sem hiatos bruscos a sua própria infância.
Importa ter presente de que todas as crianças desde bebés, têm múltiplas linguagens (gestuais, corporais, plásticas e verbais) pelas quais se exprimem: assim sendo a infância não é a idade da “não-fala”; todas as crianças mantêm interacções com as quais incorporam afectos, fantasias e vinculação: portanto a infância não é a idade da “não-razão”; todas as crianças “trabalham” nas diversas tarefas que preenchem o seu quotidiano, na escola, no espaço doméstico e, infelizmente, também nos campos, nas oficinas ou na rua: a infância não é a idade do “não-trabalho”; todas as crianças estão presentes nas múltiplas dimensões que as suas vidas (na sua heterogeneidade) continuamente preenchem: logo a infância não vive a idade, digamos, da “não-infância”.
Actualmente a criança é considerada um ser autónomo e completo e, portanto, portador de uma Cultura própria. Se antes a criança era um objecto de direito, hoje é um sujeito de direito. Longe vão os tempos, felizmente, em que era vista quase como propriedade dos pais; pelo contrário hoje estamos sob a existência de uma verdadeira Cultura da criança, em que se exige que a responsabilidade parental seja exercida sempre no sentido dos seus interesses.
Nesse mesmo sentido se deve situar toda a intervenção junto da família, como núcleo fundamental da Sociedade. A ética da responsabilidade do cuidar reside, em primeiro lugar, na família. A actuação do Estado na tutela dos direitos da criança deve assentar no princípio da co-responsabilização, atribuindo prevalência às acções que integrem as crianças e os jovens no seu seio familiar e procurando intervenções não abusivamente intrusivas na família.
O Estado e a sociedade civil deverão, (como vem a ser feito nomeadamente através Comissões de Protecção de Crianças e Jovens), concentrar todas as suas energias e competências na vocação fundacional para a prevenção e a aplicação de medidas e acções que visem a promoção da vida familiar. As Comissões de Protecção, cuja composição interdisciplinar e interinstitucional permite o envolvimento da comunidade na protecção das crianças e favorece a proximidade com as famílias, deverão promover o consenso, preservar a relação familiar e promover programas de educação parental.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Educar em cidadania

"É preciso plantar a semente da
educação para colher os frutos da cidadania "
  
Paulo Freire
A tarefa de atribuir direitos à criança tem tido um longo, e muitas vezes difícil caminho, quer devido à lenta consciencialização da sociedade acerca de tal necessidade, quer devido às dificuldades que se colocam à interpretação e aplicação de direitos para as crianças em contextos culturais diversos e em épocas históricas distintas.
É entendimento, mais ou menos consensual de que existem três grandes grupos de direitos da criança: direito de ser criança; direito de pertença ou direito às raízes e; direito ao desenvolvimento harmonioso.
Num primeiro grupo está o direito ao tempo de ser criança (onde se inclui a protecção contra o trabalho infantil), o direito de brincar (que leva a criança a aprender a respeitar as regras, a ser paciente e a saber partilhar), o direito à felicidade e o direito a ser titular de direitos.
Num segundo grupo está o direito à família, (família de afecto que não necessariamente a família biológica,) o direito à escola e o direito à comunidade.
Num terceiro grupo está o direito ao desenvolvimento harmonioso, o direito a ser ouvida e a ter opinião, o direito à autoridade, à disciplina, à hierarquia, para que possa compreender o que é o bem e o mal.
Pela Convenção dos Direitos da Criança emergiu uma nova concepção social da infância, pela assunção das crianças como sujeitos activos, participativos e co-responsáveis pelo processo de educação
Educar para a cidadania pressupõe o aparecimento de um conjunto de crenças, valores e práticas sociais tendo como finalidade: o desenvolvimento integral da pessoa, enquanto membro de uma comunidade e cidadão responsável; a integração ética e política do indivíduo na comunidade, clarificando os seus direitos e deveres; a reprodução de modelos democráticos; a compreensão inter cultural e o respeito pela diversidade e pelos Direitos Humanos.
Este é o grande desafio do futuro. Transmutar o educar para a cidadania em educar na cidadania.
É preciso estar-se atento ao sentido deste “educar”. Não se quer que este sentido seja o da moldagem do indivíduo para a reprodução de um desempenho social absolutamente nefasto. Precisamos de estar atentos ao papel da educação formal que age, enquanto processo de ensino-aprendizagem e aquisição de cultura, muitas vezes como um grande sistema de reprodução cultural. Educar para a cidadania pode ser: educar um sujeito "participativo", no sentido de que seja um colaborador do sistema, que ensina a passividade ou, pelo contrário, educar para se ser um sujeito crítico, consciente dos direitos e dos deveres, disponível a lutar pela justiça e não a servir interesses seculares. Esta é a educação em cidadania para uma nova cidadania.
É necessário que as nossas crianças e jovens aprendam não apenas a ler e a escrever, mas a olhar o mundo a partir de novas perspectivas; aprendam a ouvir, a falar, e a desenvolver atitudes de solidariedade.
E... educar, formar, transmitir valores, não tem apenas lugar na escola. A família é o ecossistema mais importante da vida da criança e do jovem, e o factor protector onde deveria haver mais investimento.
Ora, se assim é a escola tem que interagir com a família possibilitando o confronto de lógicas, de negociação, de hábitos de clarificação, de gestão de conflitos, de mútuas aprendizagens, de co-construção e implementação de projectos educativos. Em suma os pais têm que ser reconhecidos como parceiros e motivados para colaborarem com as propostas da escola, sem que essa colaboração seja no sentido de controlo e de ajustamento ao modelo considerado ideal pela escola. Na educação em cidadania a escola não pode ter atitudes normativas moralizando com a cultura escolar, o que padroniza, e o que considera correcto e desejável para as famílias.
Na educação em cidadania é preciso cuidar-se das relações interpessoais, e do desenvolvimento de competências sociais; é preciso que as crianças e jovens tenham um papel activo na participação e reflexão na vida da escola. É que, a verdadeira ética da cidadania, está no viver solidário entre homens e mulheres, com as diferentes gerações, na pluralidade, com as singularidades de alguns e de todos, como é o caso, por exemplo, da pessoa com deficiência.
A democracia na escola também implica sanções, mas não está aí o eixo estruturante da intervenção. Ela deve partir da construção de um clima de bem-estar, de aceitação e respeito, de solidariedade.
Importa pois que a comunidade escolar aponte, claramente para a formação das nossas crianças e jovens ao nível dos valores da cidadania, investindo em estratégias de prevenção, assumindo-se como um espaço de vivência e de discussão de referenciais éticos, um local social privilegiado de construção dos significados éticos necessários e constitutivos de toda e qualquer acção de cidadania, promovendo discussões sobre a dignidade do ser humano, igualdade de direitos, recusa categórica de formas de discriminação e importância da solidariedade.
 Importa que a família, a escola, a comunidade possibilitem o desenvolvimento de competências nas crianças que lhes permitam desenvolver um pensamento racional, bem como para fazer escolhas acertadas, desde decisões completamente insignificantes, como, por exemplo, os programas televisivos a que irão assistir, até decisões mais significativas, como sejam, as relacionadas com agressões de colegas na escola, ou abuso dos pais em casa. 
A educação tem hoje, mais do que nunca, um papel fundamental na superação da exclusão social. Acreditamos que educar para a competência, para a solidariedade e para a esperança é hoje um grande desígnio nacional e mundial e, assim fazendo, estaremos, seguramente, no caminho certo na promoção do Superior Interesse da Criança mas, sobretudo, na promoção dos Direitos Humanos.