domingo, 3 de outubro de 2010

A importância dos afectos

“Se não amarmos nossos filhos,
não saberemos amar mais ninguém"

O afecto, do latim affectus, corresponde (Ferreira, 1999) a “sentimento de amizade”, “afeiçoado a”, “carinho”, “afabilidade”. Quando se pensa em “afeição”, vêm-nos à mente imagens relacionadas com cuidado, aceitação, acolhimento, afago. Se por outro lado juntarmos ao adjectivo afecto os significados “sujeito a”, “dependente de” (Cunha 1986), percebemos que receber ou dar afecto representa uma situação de abertura do sujeito ao acto afectivo. Se percebermos este facto tornamo-nos capazes de reconhecer que, entre as necessidades que precisamos de garantir para que possamos ter uma sã convivência humana num contexto sócio-histrórico-cultural, está o afecto.
Os valores e as regras que permitem o equilíbrio da pessoa na sociedade são relevantes para a qualidade de vida, sendo a sua negação ou violação elementos perturbadores à saúde, nomeadamente à saúde mental, com é afirmado pela Organização Mundial da Saúde.
O respeitar, o cuidar de si e dos outros são critérios geradores de bem-estar e de satisfação que levam àquela saúde, pelo que cuidar adequadamente é de extrema importância tanto do ponto de vista individual como do ponto de vista social.
A afectividade é uma dinâmica profunda e complexa ligada a sentimentos tais como o ciúme, a raiva, o ódio, a inveja, a saudade, o amor...sendo a mistura de todos estes sentimentos, e o aprender a cuidar adequadamente de todas essas emoções, que vai proporcionar à pessoa uma vida emocional plena e equilibrada.
O padrão emocional do ser humano é formado nos primeiros anos de vida. Se os pais fornecerem um modelo deformado durante a infância desse padrão, será difícil modificá-lo mais tarde. Por vezes os pais desconhecem as consequências para a criança de não se atribuir às emoções uma importância significativa.
O aspecto afectivo tem uma profunda influência sobre o desenvolvimento intelectual podendo acelerar ou diminuir o ritmo desse desenvolvimento sendo, igualmente, o princípio norteador da auto-estima.
Os pais são, digamos, como espelhos que devolvem determinadas imagens à criança. Quando se demonstra afectividade por alguém, essa pessoa torna-se o nosso espelho e nós nos tornamos o dela; e reflectindo um no sentimento de afecto do outro, desenvolvemos o forte vínculo do amor - essência humana em matéria de sentimentos.
É nesta interacção afectiva que desenvolvemos nossos sentimentos positiva ou negativamente e construímos a nossa auto-imagem.
Se os pais agem a partir de uma perspectiva negativa para com os seus filhos, ir-se-á formando neles uma imagem "pequena" e negativa do seu valor. Se pelo contrário se agir numa perspectiva positiva formarão um conceito positivo de si mesmo.
É sabido que a inteligência emocional da criança é determinada, até certo ponto, pelos traços de personalidade com os quais nasce, mas também é moldada pelas interacções com os pais e com o meio. Essa influência começa nos primeiros dias de vida, quando o sistema nervoso imaturo da criança está no seu início formativo, podendo as primeiras impressões da infância durar toda a vida.
É comum não se fazer caso das emoções das crianças alegando-se que “são apenas crianças”
Deixar, sistematicamente, de dar um abraço, recusar beijos, evitar um carinho, é como deixar de alimentar a criança e pode deixar marcas irreversíveis.
 Uma criança privada de afecto fica sujeita a ter de enfrentar situações de desconforto para o qual não está ainda preparada, originando alterações gravosas no seu desenvolvimento.
Nas relações familiares aprende-se a viver o “jogo” da afectividade de forma adequada. No entanto, essa adequação é tanto melhor quanto melhor forem as referências positivas necessárias ao desenvolvimento de uma personalidade emocionalmente equilibrada.
Uma das mais meritórias funções da família é a de socializar e estruturar as crianças como seres humanos. Vários têm sido os estudos que apontam para o facto das chamadas “crianças problema”, serem oriundos de famílias que, independentemente do seu nível socioeconómico, não lhes proporcionam o afecto suficiente. O que efectivamente faz a diferença é a capacidade da família estabelecer vínculos afectivos unindo-se tanto no amor como nas frustrações.
É na família que a criança vive as mais gratificantes sensações de alegria, felicidade, prazer e amor. A família é o espaço onde e no qual experimenta tristezas, desencontros, brigas, ciúmes, medos e ódios, mas também é no seu seio que a criança aprende a linguagem mais complexa da vida: a linguagem da afectividade.
Na família existem, forçosamente, momentos de desencontro mas, igualmente, momentos de amor. Uma família, digamos, normal, passa por momentos de satisfação e de prazer, alternados por momentos de tristeza e desentendimentos os quais são reparados através da compreensão e dos valores da tolerância, da amizade e do amor, sendo esta aprendizagem de extrema importância na preparação adequada para se ser cidadão sociável e integrado.
A “tarefa” de cuidar, adequadamente, de um ser em formação não é uma tarefa fácil exigindo dos pais e restantes educadores, capacidade para lidar com os conflitos gerados pelos impulsos imediatos das crianças e bem como às suas necessidades biopsíquicosociais a cada momento.
No entanto importa ter presente que uma criança com auto - conceito positivo parece mais activa; tem facilidade em fazer amigos, tem senso de humor, participa em discussões e em projectos, lida melhor com o erro, sente orgulho por contribuir e é mais feliz, confiante, alegre e afectiva.
Para além da família, a sociedade tem uma responsabilidade directa na educação, formação e desenvolvimento da criança dado que é em ambas, através dos mitos, ritos e regras sociais que adquirimos o sentido da vida, sendo as referências oferecidas por essa cultura que nos proporcionam a noção de pertença e, saber que se pertence a alguém e a um lugar, proporciona à pessoa um referencial de valor significativo.
Numa sociedade solidária, saudável e cidadã, os seus membros nunca estão sós, dado que o desejo de cuidar de si, do outro e do nós assenta na ética das relações entre as pessoas ressaltando o facto de que quando melhor o outro estiver, melhores estaremos todos.
Assim sendo cuidar das nossas crianças a níveis diversos mas, principalmente, ao nível da afectividade, é um acto de cidadania.
E…todas as crianças necessitam de consolo, de braços que abracem, de ouvir histórias aconchegadas num colo, de receber carícias, de um tom de voz agradável e suave, de sorrisos sinceros, de que sejam justos para com ela, que não a deixem fazer tudo aquilo que quer, que lhe digam sim mas igualmente não porque os limites devem ser entendidos desde cedo, que a entendam e a incentivem a entender os outros, que a ouçam e que possa ouvir os outros, que… lhe digam muitos vezes que a amam e que é importante para os seus para que não tenha disso dúvidas e cresça feliz.

1 comentário:

  1. Muitos parabéns por esta primeira "conversa", é tão importante perceber a importância do afecto (passo a redundância) como a importância de dar de comer e beber ou de vestir uma criança.

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