quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Afectividade/Aprendizagem

Mais uma vez vou falar de afectos. Há dias alguém me dizia, quando lhe falei da importância dos afectos na aprendizagem, que o problema das dificuldades cognitivas das nossas crianças, nada tem a ver com a afectividade. Não discuti porque me lembrei de Donaldo Schüller, quando nos diz que “o que nos constitui homens é a palavra. Precisamos aprender a falar, para entender a necessidade do outro, para que as fronteiras sejam marcas de aproximação e não de divisão”.
Hoje olhando o céu e vendo o tempo ameno, com uma ligeira brisa que transportava até mim um cheiro a terra molhada, dei comigo a reflectir e a procurar entender o porquê daquela divergência.
Detenho-me por uns momentos, na quietude dos ventos e à espera da anunciada tempestade, no mundo dos conceitos que me ajudarão na reflexão sobre o facto, como nos disse João dos Santos, do funcionamento afectivo ser a base do funcionamento mental.
Vejamos: existem conhecimentos sem serem conhecimentos cognitivo-afectivos? Existirão conhecimentos exclusivamente cognitivos ou exclusivamente afectivos?
Tais perguntas poderão ter ambas as respostas conforme nos situemos do lado de Platão e Descartes, ou do lado de Piaget, Vygotsky, Wallon ou Damásio.
Na Grécia antiga Platão falou de uma suposta dicotomia entre a razão e a emoção, quando definiu como virtude a libertação e a troca de paixões, prazeres e valores individuais, pelo pensamento; Descartes deixou-nos a famosa afirmação “penso logo existo”, sugerindo a possibilidade de uma separação entre a razão e a emoção (Damásio veio há alguns anos desmenti-lo). Para ambos o pensamento tem um valor de excelência.
Vejamos agora, ainda que resumidamente, o que nos dizem os nossos psicólogos e o nosso neurocientista.
Piaget teorizou sobre o facto de que, não obstante as diferenças naturais, a afectividade e a cognição são inseparáveis em todas as acções simbólicas e sensório/motoras. Segundo ele toda acção e pensamento comportam um aspecto cognitivo, representado pelas estruturas mentais, e um aspecto afectivo, representado por um dinamismo, que é a afectividades. Assim não existem estados afectivos sem elementos cognitivos, como não existem comportamentos puramente cognitivos.
Vygotsky diz-nos que as emoções se integram no funcionamento mental geral, tendo uma participação activa na sua configuração. As bases orgânicas sobre as quais as emoções humanas se desenvolvem estão no desenvolvimento da linguagem - sistema simbólico básico de todos os grupos humanos, os quais são fundamentais para compreender as origens do psiquismo, ou seja, um modo de compreender o mundo, de se compreender diante e a partir dele e de se relacionar com ele.
Na perspectiva genética de Wallon, a inteligência e a afectividade estão integradas: a evolução da afectividade depende das construções realizadas no plano da inteligência, assim como a evolução da inteligência depende das construções afectivas.
Damásio, (na sua obra “O erro de Descartes” (1996), fala da existência de uma forte interacção entre a razão e as emoções, defendendo a ideia de que os sentimentos e as emoções são uma percepção directa de nossos estados corporais e constituem um elo essencial entre o corpo e a consciência.
Com um sol de meio do dia a reflectir na passagem húmida, criando um efeito de luz difusa e intensa que diluí dela as suas cores (mas não da mente), questiono-me: "por que será que os alunos têm dificuldades em aprender? O sistema de avaliação não é bom? A qualificação dos professores é insuficiente? As metodologias usadas são as mais correctas? Que conteúdos devemos ensinar? O nível dos alunos baixou?
Mas… será que na escola há tempo para conhecer as crianças e jovens? (como se chamam [por vezes chamamos António ao Toni e ele não responde]; de onde vêm; quem são os seus pais; que infância tiveram; quais os seus passatempos ou brincadeiras preferidas, etc.).
Podem ser “pequenos pormenores” mas são aspectos fundamentais para que se estabeleça a necessária relação afectiva. (Há dias, um professor amigo, queixava-se de que a sua turma de 1ºano do Ensino Básico era muito difícil e indisciplinada. Perguntei-lhe o que estava a dar em termos de programação e percebi que já ia nos ditongos. E jogos de integração fizeste? E tempo para os conheceres, para eles te conhecerem e para se conhecerem uns aos outro tiveste. Não. As aprendizagens programáticas levam-lhe o tempo todo!)
Na minha modesta opinião, mas alicerçada nos teóricos que mencionei, entre outros, é isto que precisa ser revisto, debatido, reflectido. A relação afectiva professor/aluno reflecte, forçosamente, bons resultados nas aprendizagem.
Terminando como comecei citarei mais uma vez João dos Santos. Diz-nos ele: “o afecto é a base da educação e do sucesso na aprendizagem…sendo o desenvolvimento afectivo e intelectual inseparáveis”.
E a paisagem é agora “assombrada” pela tempestade mas… “não há bela sem senão”, eis que surge, ao longe… o arco-íris!

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