segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

“Dentinho dentão”

“Ama-se na medida em que se busca comunicação, integração a partir da comunicação com os demais (Freire)

Ao “meu mais novo” caiu-lhe há dias um dente de leite. Foi uma festa! O rapaz ficou feliz da vida e, ao princípio, não sabia muito bem se havia de chorar ou rir tanta era a alegria. A festa continuou à tardinha quando chegou da escola e na manhã seguinte com o presente da “fada dos dentes”. Durante o dia, na escola, penso que ninguém reparou no “feito”. Foi pena. Não custava nada um “palavra afectiva” sobre o momento “super importante” na vida do “mais novo”.

O afecto é uma das ferramentas do acto de educar. Poder-se-á dizer que, a inclusão ou não do afecto no processo educativo definirá se a sala de aula funcionará como espaço de verdadeira aprendizagem ou como espaço para apenas fazer e concluir os níveis educacionais. Ter boas notas não quer dizer que o processo educativo decorreu de uma forma afectiva. E sem esta componente dificilmente a criança e o jovem aluno, estará em condições de participar na transformação do mundo ou de evoluir como ser humano.

Voltando ao “mais novo”: não era preciso tratá-lo com beijos, abraços ou procurar agradar-lhe. O que a escola precisa de fazer é, muitas vezes, “acordar” e tomar atitudes que a levem a sair da indiferença, porque essa “indiferença” é, justamente, a falta de afectividade.

Os educadores/professores não podem deixar de sentir o que acontece à sua volta, pois a capacidade de sentir torna-os seres privilegiados e com capacidade de transformar o mundo. Neste sentir há que perceber que não se pode ensinar pensando apenas na cabeça da criança já que o coração também é importante. É necessário que a escola se comprometa não apenas com o desenvolvimento cognitivo mas, principalmente, com o desenvolvimento sócio emocional.

O ensino é relacional e cada parte do processo é responsável pelo seu sucesso ou fracasso: professor, escola, meio social, aluno. A afectividade promove o respeito às diferenças, a motivação, o saber ouvir, o elogiar e o cumprimento dos objectivos com responsabilidade.

A afectividade é necessária na formação de pessoas felizes, éticas, seguras e capazes de conviver com e no mundo que as cercas. A escola tem que saber ouvir, valorizar e acreditar no aluno, dando abertura para a sua expressão.

Uma educação que não aborde as emoções na sala de aula traz prejuízos para a acção pedagógica, pois pode atingir não só o professor, mas também o aluno.
Os pais direi que é científico que a falta de afecto pode deixar marcas nas crianças para toda a vida marcas que podem incluir alterações psicológicas, psiquiátricas, neurológicas, imunológicas ou hormonais. Deixar, sistematicamente, de dar um abraço, recusar beijos, evitar um carinho, pode deixar marcas para toda a vida.

Ao meu “mais novo direi”: “Quanto o pai tinha a tua idade também me caíram os dentes. Sempre que me caía um, mandava-o par cima do telhado e dizia «dentinho, dentão, toma lá um podre dá cá outro são». Beijos filho”.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

“Batido de ritalina para toda a gente”

«O PHDA (Perturbação de Hiperactividade e Deficiência de Atenção) é um slogan publicitário à procura de um sindroma a procura de uma desordem em busca de uma causa». Jeff Victoroff
Provavelmente alguém irá dizer que, “estou a meter a foice em seara alheia” ao escrever sobre este tema. Desde já lhes digo que têm razão. Mas também lhes digo que começo a ficar cansado, perturbado, aflito, preocupado e… por aí fora, com este “sindroma/desordem” mental. E digo porquê: tudo o que é alteração comportamental na criança é PHDA e é tratado, quase sempre, com a famosa “ritalina” que se pensa que terá sido usada, pela primeira vez, pelos soldados nazis para aumentar a sua concentração no campo de batalha.
O diagnóstico para uma PHDA tem que ter quatro dos seguintes comportamentos durante 6 meses seguidos: enervar-se frequentemente; discutir frequentemente com adultos; recusar-se frequentemente a aceitar as regras e ordens dos adultos; frequentemente aborrecer, deliberadamente, os outros; culpar, frequentemente, os outros pelos seus actos; frequentemente ser sensível às críticas dos outros; estar frequentemente aborrecido ou ressentido e; frequentemente vingativo. (Não é isto ser, frequentemente, criança pergunto eu?)
Em plena era do avanço das neurociências, dos estudos sofisticados sobre a neuroimagem e a farmacogenética onde vemos o cérebro em pleno funcionamento, para não falar do desenvolvimento galopante da neurogenética, que está a chegar cada vez mais perto das alterações neuroquímicas que ocorrem no cérebro a cada instante, fico abismado com a facilidade com que as crianças, hoje em dia, são rotuladas e medicadas.  
E vai daí “batido de ritalina para todos”, pois é a solução para resolver os problemas emocionais e de comportamento.
Vejamos o que nos diz Peter Breggin: “descobri que quando dão ritalina a animais eles deixam de brincar, deixam de ser curiosos, deixam de socializar, deixam de fugir; o uso da ritalina gera bons animais de gaiola…nós estamos a gerar boas crianças de gaiola». Por outro lado uma nova descoberta publicada no Jornal de Psiquiatria da Academia Americana da Criança e do Adolescente, provou que a ritalina atrasa o crescimento das crianças. E mais: a ritalina é classificado pela Drug Enforcement Administration como um narcótico de Tabela II — a mesma classificação que a cocaína, a morfina e as anfetaminas, e vendê-la a crianças é um crime. No entanto fornecer ritalina para crianças, mesmo sem prescrição médica, é definido como "tratamento".
É dito pelos especialistas que a administração de drogas fortes nas crianças altera a mente e, na realidade, é uma forma de abuso químico, que ainda hoje é tolerado porque é formulado numa linguagem terapêutica.
Pronto: é desta que me vão chamar ignorante, provocador e… “não sabe o que diz”.
Mas, é ou não verdade, como no diz Hyperactive Children's Support Group, e The Food Commission  que a ritalina causa os mesmos problemas que deveria tratar – falta de atenção, hiperactividade e comportamento impulsivo?; que muitas crianças se tornam robôs, ficam letárgicas, deprimidas e introvertidas quando estão a tomar ritalina?; que a ritalina pode retardar o crescimento da criança ao romper os ciclos dos harmónios de crescimento libertados pela glândula pituitária?; que a ritalina geralmente causa graves distúrbios no cérebro da criança? (Pesquisas científicas mostraram que pode causar atrofia ou outras anomalias físicas permanentes no cérebro); que quando a criança pára de tomar a ritalina, pode ocorrer sofrimento emocional, incluindo depressão, esgotamento e até suicídio?; que  a ritalina reprime as actividades criativas, espontâneas e independentes na criança, fazendo com que se torne mais dócil e obediente e mais disposta a realizar tarefas rotineiras?
Como fazer então?
Em primeiro lugar é preciso ter cuidado com os “rótulos” pois a maioria das nossas crianças são falsos hiperactivos. Muitas são crianças que não se adaptam ao esquema rígido das escolas e, por isso, comportam-se como hiperactivos, mesmo sem ter disfunção bioquímica. Por vezes a “agitação” e “impulsividade” podem ter apenas a ver com problemas comportamentais ou ainda como reacção à sensação de inadequação na escola ou a mudanças repentinas de vida como, por exemplo, o divórcio dos pais.
Em segundo lugar há muito que defendo a necessidade de uma intervenção com base na psicoterapia junto da maioria das crianças que estão a passar por distúrbios e conflitos, isto porque, o afecto e o comportamento da pessoa são determinados pelo modo como ele se estrutura no mundo sendo a partir do processo terapêutico, que a criança tem a possibilidade de, digamos, de “re-significar” vivências e pensamentos podendo, assim, descobrir outras maneiras de ver a realidade e formas de viver mais satisfatórias aos objectivos deste viver.

A psicoterapia infantil visa auxiliar a criança e os pais e/ou professores/educadores, face a um menos satisfatório desenvolvimento emocional ou social da criança, construindo e reconstruindo ambientes que proporcionem tempo e espaço à criança e aos pais e/ou professores/educadores, para que pensem nas suas relações, nas suas escolhas, nas suas dificuldades, nos seus sonhos, nas suas possibilidades, espaço este no qual a criança possa experimentar, escutar, sentir, fantasiar…

Mais uma vez direi: sem relação afectiva não há vida. A psicoterapia é, em meu entender, um caminho afectivo.

É que, como nos disse João dos Santos, “não deve ser esquecido que a função racional e emotiva do ser humano assenta no que lhe deu origem e lhe confere progressivo aperfeiçoamento e sentido: a relação, o afecto e o sonho”

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Regras, limites e afecto

“Afecto, afecto, só falas de afecto” – assim me confrontava há dias um amigo. E continuou – “ E regras e limites não são importantes e necessários à educação dos nossos filhos?”. Claro que sim. Mas, meu amigo, educar uma criança supõe conduzi-la ao racional e ao razoável sem negligenciar sua experiência afectiva.

As regras são importantes mas querer ensinar regras de comportamento sem proporcionar às crianças situações de interacção que levem a uma real tomada de consciência, pode ser perda de tempo, e pode dificultar a aquisição do pleno desenvolvimento cognitivo e afectivo. Por outro lado, estabelecer a disciplina é um acto de afecto e não um acto de poder.

“Mas tu não vês o que acontece nas nossas escolas? Estás cego ou quê? Hoje já ninguém respeita ninguém!” Calma amigo: é consensual, entre diferentes pensadores das relações humanas, a necessidade de se estabelecer limites claros e bem definidos para propiciar condições seguras de desenvolvimento para as crianças e jovens. Mas cuidado: sem abusos de poder, de violência física e moral, sob a capa da disciplina.

As crianças têm necessidade de um quadro estruturante, com referências e limites claros, para construir a sua personalidade. Todos os adultos, responsáveis pela educação, formação e desenvolvimento de crianças e jovens, têm o dever de assumir as suas responsabilidades, evitando de um lado, o autoritarismo e, de outro, o serem permissivos. Um professor, um pai ou mãe ou um educador deve fomentar as "regras do jogo social", do viver junto, sem impor uma violência subjectiva, nem uma não directividade mal entendida.

O desafio que se impõe está relacionado como a forma de exercer os limites e a disciplina com afecto.

Pais e professores devem usar a firmeza e a ternura para se fazer respeitar. Para isso é preciso que se reconheçam como competentes e acreditem que, na base da construção da disciplina e da colocação do limite, está o afecto e o legítimo interesse pelo outro, devendo agir na base de uma autoridade de “bons-tratos”, ou seja, uma autoridade que permita ser, existir, expressar emoções, aprender, amar, criar…, numa palavra, ao respeito, incondicional, à pessoa da criança e jovem.

“Pronto: podem fazer o quiserem”. Não, não podem: autorizar a ser não autoriza a fazer o que se quiser: proibições, limites e regras são indispensáveis, com a condição de incidirem sobre o que as crianças e jovens fazem e jamais sobre o que elas são.

Por outro lado há regras e limites que podem ser negociáveis, mas existem outros que devem ser inegociáveis. Regras inegociáveis são as ligadas a qualquer conduta que atente contra a dignidade humana dos próprios ou de outrem, bem como as regras éticas e legais. Regras negociáveis são as normativas ou convencionais que se constroem, por exemplo, em casa com a família ou com os alunos na sala de aula. (As primeiras são fundadoras do vínculo humano; as segundas, condicionadas às primeiras, permitem associar as crianças e jovens à sua elaboração e responsabilizá-los aos vínculos sociais que se constroem nas diversas situações da vida).

Para terminar e para que o meu amigo me entenda melhor, direi que estabelecer regras e limites traz consigo uma carga afectiva que é percebida pelo outro e que, portanto, desencadeia também uma resposta afectiva. Assim, estabelecer limites tem a ver com estabelecer regras, normas, que não são escolhidas aleatoriamente, mas que tem muito a ver com estados emocionais e com contextos socioculturais nos quais emergem.

Um abraço amigo e…interroga-me quando assim o entenderes, quanto mais não seja para podermos conversar!






sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

As lágrimas e as emoções

“Também as lágrimas têm o peso da voz.” (Ovídio)

Confesso que não “morro de amores” por lágrimas! Doem-me, venham de quem vierem (mesmo as chamadas “lágrimas de crocodilo”.
         O significado funcional das lágrimas emocionais tem confundido os biólogos há anos. As novas descobertas sugerem que a composição química das lágrimas emocionais é diferente da composição das lágrimas comuns, usadas pelo organismo para proteger os olhos. A lágrima é um dos "líquidos" mais expressivos e inteligentemente “inserido” no ser humano. Além de proteger, lubrificar, limpar os nossos olhos, ser cicatrizante, anticéptico…, também serve para "lubrificar e aquietar a nossa alma".
Os especialistas em saúde mental alertam para o facto de que, ignorar as lágrimas das crianças, pode causar prejuízos e danos sérios no cérebro podendo originar neuroses e problemas emocionais não só quando se é criança mas mesmo ao longo da vida.
Dizem esses especialistas que os pais não deveriam nunca tentar persuadir os seus filhos de parar de sentir alguma emoção, nomeadamente, quando o fazem através do choro.
(Está combinado filho: a partir de agora podes chorar à vontade que o pai não vai ficar aflito, pois sei que chorar é importante para o teu desenvolvimento).
Os pais e os educadores bem gostariam que as crianças não chorassem, não gritasse, não fizessem birras ou seja, gostariam que não manifestassem, desta forma, as suas emoções.
Mas o que as crianças têm de mais precioso são os seus afectos pois é nestes que reside “o seu sentimento de identidade, a sensação da sua própria existência (…) o medo ajuda-nos a prepara-nos a protegermo-nos; a tristeza acompanha os lutos; a alegria é expansão, dinamiza-nos; a cólera define os nossos limites, os nossos direitos, o nosso espaço a nossa integridade e com ela reagimos à frustração; o amor liga-nos ao outro ”(Filliozat).
Se a criança está angustiada tem que reduzir a sua sensação de incómodo, e tem que ser levada a sério ou seja a “suas lágrimas” têm de ser levadas a sério, porque chorar, gritar, tremer não é mais que “medicamentos” para as inevitáveis tensões da vida.
Assim, para um desenvolvimento harmonioso da criança, não tente mudar as suas emoções, mesmo que ache que essas emoções são extremas e irracionais. Por outro lado não as minimize: mostre através do toque, do tom de voz e expressões faciais que entende a intensidade e a qualidade daquilo porque está passar, devendo o seu apoio ser de uma forma agradável e calma, abraçando-a pois o toque é vital para acalmar e suavizar uma criança.
Tenha presente que a “fluidez emocional garante a saúde psíquica”.
(Eu sei filho que as nossas emoções são de grande utilidade e são o garante da nossa consciência de Ser, portanto filho, CHORA que o pai não vai mais dizer-te: “não chores mais,” porque chorar não é uma fraqueza mas sim uma resposta natural e inata do ser humano face ao sofrimento de dor, medo, tristeza, raiva, vergonha, tristeza, desespero…).

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Projecto educacional para actividades de tempos livres das crianças (V)

O Clube de Aventuras apresentado, perspectiva inovadora para a vivência dos tempos livres das crianças, necessita para poder contribuir globalmente para o desenvolvimento harmonioso daquelas, do seguinte:
§  Animadores com formação específica;
§  Espaços adequados;
§  Convergência Escola/Família/Comunidade.
Durante muitos anos considerou-se que para se ensinar a criança, bastava saber-se ler, escrever e contar. Hoje é reconhecido que as Educadoras de Infância e os Professores do 1º Ciclo do Ensino Básico, deverão ter uma formação superior ao nível da licenciatura.
            De igual modo, para o acompanhamento das actividades de tempos livres das crianças, torna-se necessário a presença de técnicos com formação adequada, de preferência de nível superior, com conhecimentos de psicologia do desenvolvimento, bem como conhecimentos práticos no campo da animação socioeducativa, com capacidade de intervenção no meio tendo em atenção a autonomia e a liberdade da criança.
Para que o Clube de Aventuras possa funcionar nos moldes apresentados, contribuindo como factor fundamental, na formação e educação da criança, é igualmente importante a modificação de mentalidades para que se entenda, que o brincar não é perda de tempo, de que o jogar é aprender, que o construir, o experimentar e inventar são elementos ricos, importantes e fundamentais para o desenvolvimento da aprendizagem.
            A escola terá cada vez mais de se capacitar de que não é única na vida da criança; terá que ter em atenção a sobrecarga dos chamados "deveres escolares" e que, mais importante que estes deveres é o tempo que a criança necessita para as suas brincadeiras, jogos e aventuras.                                                                                                                             
            Igualmente a família e a comunidade em geral, deverão valorizar o tempo livre. Afirmações do tipo " só queres brincar ", "não é a brincar que aprendes a ser homem (ou mulher) ", em nada contribuem para o enriquecimento da criança e para a implementação do Clube de Aventuras.
            Igualmente a desconfiança em professores, educadores e animadores quando estes "liberalizam" o tempo livre, se torna prejudicial e condicionante ao desenvolvimento harmonioso.
            Pelo que ficou exposto poder-se-á depreender que, como projecto inovador que é, esta forma de encarar os tempos livres das crianças conta alguns obstáculos/resistências, de entre os quais se salienta o facto de ainda poucas pessoas encararam o tempo livre como algo da própria criança e que tem que ser gerido por ela. Há o perigo de se confundir tempos livres com actividades paralelas à escola, perigo que poderá surgir se os animadores destes Clubes de Aventuras não estiverem preparados para enfrentar a tentativa constante por parte dos encarregados de educação de os transformarem em "explicadores" e os instrumentalizarem no sentido do espectáculo e dos "floreados" em que os adultos são mestres, fazendo constantemente das crianças "cãezinhos amestrados".              
            Ao terminar referiremos que a criança é, por natureza, criadora estando repleta de impulsos, tensões, de sensações, de sentimentos, desejos, necessitando de se expandir livremente. Ao observarmos uma criança que participa em actividades de tempos livres, constamos que ela é essencialmente expressiva e criadora. Ao possibilitar-se meios para que a criança actue livremente e a motivação remova a situação inibitória inicial é como se se abrisse a porta para a saída de tudo aquilo que estava acumulado no íntimo do seu ser.
Quanto ao aproveitamento escolar, o mesmo aumenta significativamente sempre que a criança tem oportunidade de participar em actividades lúdicas com frequência. É no entanto um facto que, que ainda se tem que aprender muito acerca das relações entre a actividade lúdica e o desenvolvimento sócio-intelectual da criança.

Depois da animadora do CA ter contado a história de “Joga e a Rainha do Castelo Encantado” perguntou:
-         Que vamos fazer agora?
-         Vamos fazer um jogo de pista – disse o Pedro do grupo dos “Valentões”.
-         A caça ao tesouro! – quase gritou a Beatriz.
-         O nosso grupo – disse a Joana – prepara o jogo.
-         Muito bem – disse a animadora. Mas como será o jogo?
-         Bem tem que ter um pista secreta, um mapa, mensagens e... um tesouro escondido! – disse com entusiasmo o Francisco.
O entusiasmo do Francisco era o mesmo que estava estampado no rosto dos restantes colegas e...

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Projecto educacional para actividades de tempos livres das crianças (IV)

            A flexibilidade do Clube de Aventuras torna-o um espaço privilegiado de socialização e assenta grande parte da sua intervenção em torno das funções lúdica, educativa, social, pedagógica, cultural e preventiva.
            Relativamente à função lúdica, valoriza-se o jogo na vida da criança, o brincar pelo prazer de brincar ou seja, o brincar para viver a infância, havendo tempo e espaço adaptados às suas verdadeiras necessidades; a função educativa tem por base a transmissão de valores tais como os de partilha, de respeito mútuo e o de cooperação, ao mesmo tempo que, pelo propiciar de um clima de satisfação, favorece-se a aprendizagem afectiva, cognitiva e social, protegendo-se e defendendo-se no entanto, a verdadeira satisfação lúdica; a função social é favorecida pelo facto de que, a criança ao brincar com outras, adquirir e partilhar novos conhecimentos, desenvolver relacionamentos significativos, confrontar as suas ideias e opiniões, aprendendo assim a aceitar outros pontos de vista. Pelo surgimento de um clima de confiança inerente à actividade lúdica, a criança constrói interacções sãs e benéficas para a sua vida actual e futura; a função pedagógica, desenvolvida pelo Clube de Aventuras, parte da ideia de que é importante auxiliar a criança através da actividade lúdica, de forma a suprir condições difíceis e falhas pedagógicas a que foi exposta ao longo do seu desenvolvimento. A actividade lúdica desenvolve-se num contexto de liberdade, proporcionando à criança uma aprendizagem ao nível da vivência com outras e da comunicação com os adultos, levando-a a reconciliar-se com o prazer de aprender sem a pressão escolar, descobrindo a autoconfiança a qual lhe vai permitir, a curto prazo, abordar os conhecimentos transmitidos na escola; a função cultural conseguida através da actividade lúdica desenvolvida no Clube de Aventuras, vem de encontro ao conceito de cultura ou seja: cultura é a maneira de pensar e de agir de uma sociedade, sendo o jogar e o brincar o veículo fundamental para a transmissão dos valores culturais; a função preventiva é igualmente conseguida já que a criança cresce no seio do grupo, apoiando-se nele, vivendo ao seu próprio ritmo, retirada de ambientes nefastos e “marginalizantes”.
            Pensamos que esta forma quase "natural" de a criança viver os seus tempos livres, sem sair do seu mundo de criança, sem que ande numa correria louca de um lado para o outro, do inglês para a natação, desta para a ginástica ou para o ballet, contribuirá para que viva mais feliz, cresça saudável, desenvolva a criatividade, a imaginação, a autonomia e a auto-estima e, consequentemente, faça uma boa aprendizagem.

                               O Sérgio tinha "coisas e coisinhas,      
                               bocados de cordéis, rolhas, papéis 
                               velhos, caricas, trapos, «porcarias»
                               várias ... Guardava tudo nos bolsos
                               sempre na esperança de os juntar em
                               algum sítio para fazer um tesouro."
SANTOS (1991, p.209 )

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Projecto educacional para actividades de tempos livres das crianças (III)

            É através da motivação que o educador põe em acção todas as capacidades da criança. Para uma boa motivação é necessário um conhecimento perfeito da criança e dos meios de que se dispõe, devendo o educador/animador ser possuidor de uma boa criatividade que lhe permita motivações interessantes, atraentes e variadas.
A motivação depende essencialmente das necessidades e interesses da criança e estes, embora possuindo uma raiz que se mantém, variam de idade para idade e de criança para criança. Experiências realizadas levaram às seguintes conclusões:
·        cada criança possui um estilo pessoal;
·        a escolha de actividades por parte da criança dependem do meio em que está inserida;
·        a participação estreita gradualmente o sistema de relações individuais;
·        a actividade  evolui progressivamente com a introdução de  novos elementos.
Quanto às formas de motivação postas em prática no Clube de Aventuras assentam em três aspectos:
1        - Motivação Espontânea - quando o educador aproveita qualquer acto espontâneo da criança como elemento motivador.
                          Exemplos:
-         Uma criança refere que gostava de fazer determinado jogo e  o mesmo é feito;
-         Uma criança vem a trautear uma canção; o educador sugere que todas as outras a cantem e até dancem;
-         Uma criança trás de casa uma gravata e um chapéu velhos; o educador aproveita para “tematizar” um jogo dramático;
2        - Motivação Procurada - em conversa com as crianças, o educador procura saber de alguma observação nova que recentemente as tenha impressionado, para a seguir pôr nas diferentes actividades essa mesma observação ou algo baseado;
3         - Motivação Preparada - o educador tem já preparado de antemão o material de motivação, que pode ser diverso, desde um conto, uma história dramatizada, uma projecção de cinema...

Em termos de planificação dos diferentes temas/actividades têm-se em consideração metodologias de trabalho de projecto a saber:                          
                        1. Ser considerado importante por cada participante;
                        2. Permitir novas vivências tanto a nível individual como de grupo;
                        3. Poder ser desenvolvido tendo em conta o meio social e cultural.

            Para além disto, devem poder ser concluídas ou resolvidas no tempo que o grupo dispõe, bem como, a disponibilidade económica do Clube de Aventuras. Assim as principais metas a considerar são:
                        1. Escolha do tema/actividade;
                        2. Escolha e definição dos subtemas/actividades;
                        3. Organização e planificação do trabalho;
                        4. Recolha da informação/dados/materiais;
                        5. Ponto da situação;
                        6. Preparação/acção;
                        7. Apresentação dos trabalhos;
                        8. Avaliação - Controle; Avaliação – Análise
            Nestas etapas existem espaços de participação, negociação, consensualidade e comprometimento. São igualmente balizadas as margens de desvio que se aceitam. O educador intervém como moderador.
No Clube de Aventuras o papel do educador/animador é  activo sem que para isso   seja o "mandante" das actividades e sem que tenha que ter uma constante obsessão educativa. Está isso sim atento a essa educação, mantendo a sua acção educativa numa linha mediana sem cair nos extremos: o autoritarismo e a liberdade total ou anarquia.
O educador raramente intervém no grupo e quando o faz, fá-lo para estimular, ajudar, guiar e não impor, tendo presente o mundo do "faz -de- conta" e igualmente a ideia de que, as cargas afectivas conflituosas, pressupõem negociação a qual dá origem à progressão no caminho da descoberta do mundo.
            Quer isto dizer que  o seu estatuto, a sua autoridade e o seu poder, não significam uma imposição sobre a criança através  de uma atitude de respeito unilateral que restrinja a espontaneidade, a liberdade de expressão e de criação; e igualmente, que sob o pretexto de evitar frustrar a criança a deixe completamente ao abandono, entregue a si própria, sem  qualquer orientação mínima, flutuando de uma actividade para a outra sem aprofundar ou terminar alguma.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Projecto educacional para actividades de tempos livres das crianças (II)

            A criança em idade escolar gosta de viver em aventura. Quando em grupo espontâneo (educação informal) cria os seus próprios clubes, que têm características próprias como senha e contra-senha, símbolos, espaços de encontro...
            No Clube de Aventuras, tenta-se que a criança viva ao máximo tendo por base essa estrutura de clube espontâneo. Para isso transferiu-se para o espaço de actividades de tempos livres aquelas características.                                                                                                                                                                   
As crianças agrupam-se livremente; organizam um pequeno espaço para o seu grupo, o chamado "cantinho" ou "cabana"; neste cantinho ou cabana passam a ter tudo o que lhe diz respeito como por exemplo, pequenos " tesouros", jogos, brinquedos, livros, "documentos secretos", bandeira, símbolo de grupo; compõem  uma canção como "hino" do clube; escolhem a senha e a contra-senha; decoram o espaço à sua maneira e ao seu gosto; escolhem um nome para o seu grupo e igualmente para o Clube. (A ideia presente é a de que a criança só realiza aprendizagens, quando se apropria de algo, tornando esse algo como seu).
            Elaboram um "livro" onde diariamente registam as suas principais aventuras e os seus "recordes"; também, diariamente, e por vezes varias vezes durante o dia, consoante a actividade que desenvolvem, escolhem os seus "chefes" de grupo; estes chefes de grupo reúnem com os educadores a quando de aventuras que envolvam o chamado grande grupo ou seja, a junção de todos os pequenos grupos, reunião que serve para que, entre eles, decidam as tarefas que, naquela aventura, cada grupo terá de desempenhar.
            No Clube de Aventuras, existem igualmente oficinas onde as crianças, de acordo com a aventura que estão a viver, realizam as suas brincadeiras que poderão ir desde os brinquedos em barro, madeira, recuperação de brinquedos, construção de fantoches, instrumentos musicais rudimentares e outros.                                                        
            A aventura desportiva está igualmente presente e os diferentes grupos, realizam regularmente entre si os seus "torneios" e as suas corridas.
            E porque outros Clubes de Aventuras existem por perto, realizam igualmente actividades de intercâmbio e conjuntas, de onde se salienta as que se passam no campo, os chamados dias de campo, acampamentos, festas e aventuras desportivas.
            É a interacção com o que nos rodeia que está presente neste modelo, a par do conceito de que no processo de aprendizagem tem que estar a ideia de troca e de satisfação pelo que se está a fazer.
            Nestas actividades, para que a vivência em grupo tenha uma sequência harmoniosa, torna-se necessário que as actividades estejam ligadas a um projecto de base, não surgem por acaso desenvolvendo-se actividades pelas actividades ou acções isoladas. É o chamado projecto de animação socioeducativa.
            Para a concretização de forma global das actividades, estas são enquadradas num tema geral ou outros que, atendendo aos seus valores educativos, venham a existir.
            A sugestão de um tema, por parte do educador/animador ou surgindo das crianças e a sua exploração, constituem um meio de motivação favorável à criatividade e à expressão, não só pelo amplo campo de acção que oferece como também pelos objectivos específicos que estabelece; é fundamental que um tema vise sempre a criança, que promova a liberdade de expressão, de comunicabilidade, o senso de responsabilidade e motive o senso criativo. Interessa que a finalidade da actividade desenvolvida através do tema, esteja centrada na criança e não em qualquer técnica específica a atingir; um tema deverá permitir uma boa integração da criança nos seus hábitos individuais e nos do grupo em que actua; vivendo todas as nuances do tema, a criança criará um mundo seu ao qual se entregará totalmente;
            No entanto o tema só por si não funcionará, necessitando de uma motivação adequada.
Por um narcisismo involuntário, o educador/animador pode ter, por vezes, o desejo de tentar encaminhar a criança através de demasiada motivação ou motivação inadequada, para um modelo da sua própria concepção, procurando inconscientemente que ela exprima o que ele, educador/animador, deseja exprimir, colocando a criança numa posição que julga que a satisfaz mas que de facto apenas o satisfaz a ele. Há pois, que estar atento, para que o educador/animador não seja um elemento perturbador de toda a espontaneidade original da criança.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Projecto educacional para actividades de tempos livres das crianças (I)

Inicio, com esta mensagem, um conjunto de cinco apontamentos sobre este tema, que me parece de grande importância face ao desenvolvimento harmonioso da criança e que é, em meu entender, uma alternativa válida às designadas AECs.

" A Joaninha escreveu aos amigos:
   - IMPORTANTE - Haverá reunião do CLUBE amanhã às 10 horas da manhã, na arrecadação ao fundo do nosso jardim. É preciso saberem a palavra senha para entrarem."(In Livro de Leitura 3º ano de escolaridade)

Reafirma o projecto que defendemos, ao qual chamaremos Clube de Aventuras, a importância do brincar definido pela Associação Internacional para o Direito a Brincar ou seja que " brincar, a par das necessidades de nutrição, é uma actividade fundamental para o desenvolvimento das capacidades potenciais de todas as crianças"; que "brincar é um acto instintivo voluntário e espontâneo. É uma actividade natural e exploratória"; que " brincar é comunicação e expressão, associando pensamento e acção, dá prazer e sentimento de realização"; que " brincar abarca todos os aspectos da vida"; que "brincar ajuda as crianças no seu desenvolvimento físico, mental, emocional e social"; e que "brincar é um meio de aprender a viver e não um mero passatempo". (1982)
Quer-se que no Clube de Aventuras não se sinta a omnipresença da escola e do sistema formal a si associado, mas sim que exista lugar para a libertação de energias e aproveitamento das capacidades criativas. Igualmente se quer que as vivências diárias tenham a ver com os aprenderes da vida - o eu/tu/nós, a separação/ individualização, a autonomia, a auto-estima e a hetero-estima, facilitando assim os aprenderes da escola.
Pretende-se que o Clube de Aventuras possibilite uma intervenção sócio-educativa dinâmica, aberta à comunidade e de relevante interesse pedagógico e cultural, sendo um espaço libertador-criativo e comunicacional, possibilitando minorar a situação de risco social para as crianças, actuando junto das famílias, das escolas e espaços associativos locais, numa envolvência comunitária global e assente numa dimensão relacional promotora de desenvolvimento, possibilitando um acolhimento, um suporte, uma contenção, uma organização e uma estimulação adequados.
Esta pretensão assenta essencialmente em três princípios fundamentais a saber:
1.      O jogo, a arte e a cultura são manifestações naturais ao Homem, definem a sua essencialidade e devem inserir-se globalmente na formação integral permitindo a expansão e evolução das suas capacidades criativas.
2.      O direito ao jogo, à arte e à cultura assenta numa dinâmica diversificada, comum a todos os saberes.
3.      É brincando com o real imaginário que se realizam os produtos da imaginação e se chega à criação.
            Procurar-se-á assim no Clube de Aventuras, oferecer uma realidade e um percurso lúdico que permita:
-         Atrair para as linguagens expressivas;
-         Estimular a imaginação;
-         Valorizar os processos criativos.
Pretende-se que este percurso lúdico contribua de forma decisiva como um apoio a carências afectivas, psicológicas e até didácticas, tantas vezes as verdadeiras carências que conduzem à marginalização e à exclusão social.
Face ao exposto serão objectivos principais do Clube de Aventuras:
·         Proporcionar à criança momentos de diversão contribuindo para os seus equilíbrio emocional e aquisição de novos conhecimentos;
     Possibilitar momentos de actividades lúdico-expressivas;
     Desenvolver a criatividade e o gosto pelas expressões;
   Facilitar um maior número de experiências à criança, pela utilização dos mais variados materiais, de modo a contribuir para o desenvolvimento da sua sensibilidade, imaginação e sentido estético;
    Rentabilizar espaços existentes;
·      Proporcionar às crianças e jovens uma animação dos seus tempos livres duma forma criativa e educativa;
·      Proporcionar às crianças oportunidades de realização pessoal, através de actividades livres do seu agrado;
·      Fomentar o espírito de iniciativa pessoal e de grupo, a capacidade criativa, crítica, o sentido de responsabilidade de planificação e organização;
·      Proporcionar às crianças experiências de gestão das suas actividades, bem como intervenção no meio onde vivem;
·      Proporcionar mudanças de ambiente, contacto com a natureza aliada à descoberta do meio.
No Clube de Aventuras a criança tem oportunidade de aprender a servir-se dos objectos reais, a manipulá-los, a jogar com eles, a inventar-lhes utilizações diversas, experimentar o olhar, o ouvido, a aproximação, o tocar, que lhe permitirá um crescimento em harmonia; aprende igualmente a jogar improvisando de uma forma individual e progressiva até conseguir o senso de grupo.